quarta-feira, 25 de maio de 2011

QUINTA-FEIRA, 21 DE ABRIL DE 2011

Cada criança tem seu monstro da guarda



por Mário Corso
A conexão é inegável: infância e monstros andam juntos. Basta lembrar das letras das cantigas de ninar, ou olhar para os brinquedos, assistir a um pouco de TV, ler algumas histórias infantis. Lá estarão eles com suas caras feias e sua pele escamosa, rugindo, vomitando fogo ou raios cósmicos. É de pequeno que se conhece o medo, mas ele não ocorre por obra de adultos malvados que assustam as crianças para se prevalecer: os monstros aparecem ao chamado delas. A questão é discernir quando eles vêm para ajudá-las das vezes em que o susto é fonte de sofrimento.
Nosso primeiro impulso seria deixar essas coisas feias de fora da vida infantil, mas se eles estão aí há tanto tempo e são tão populares, devemos nos perguntar por sua função. Os monstros das canções de ninar, a Cuca por exemplo, catalisam a angústia difusa da criança, permitindo a transição da vigília para o sono. Pode parecer ruim, mas é melhor sentir medo de alguma coisa específica, que tem até nome, do que angústia. O medo é algo que se pode controlar, sabemos onde está, já a angústia não tem contornos, está em toda parte e ninguém pode nos ajudar. Seria muito pior ficar olhando a escuridão sem poder supor o que ela esconde, sabe por quê? Porque no escuro ou ao adormecer os pequenos (e às vezes os grandes) perdem-se de seus contornos pessoais, sentem-se diluídos, inexistentes, dá vertigem, medo de morrer. Se o monstro está embaixo da cama, ou é nomeado pela cantiga de ninar, então a mãe, esse ser gigantesco e poderoso, que faz dos bebês o que quer, não é a encarnação do monstro. Paradoxalmente, nesse momento o monstro ajuda a criança a acalmar-se para adormecer.
Mas os medos são mais do que isso. Existe um “núcleo fóbico” (aquelas coisas que na vida a gente foi escolhendo para temer) em todos nós. Por exemplo, vocês conhecem alguma mulher que não tenha medo de baratas? Por que esse “terrível” ortóptero que não morde nem tem veneno põe tantas a correr com sua simples presença? O filme Batman begins, que está em cartaz, serve para demonstrar o papel do medo em nossas vidas. Bruce Wayne, o Batman na vida comum, transforma sua fobia infantil de morcegos na fonte da sua força, e por isso o morcego é o símbolo de sua identidade secreta. Todos esses exemplos demonstram que sentir medo e imaginar uma cara para ele tem mais utilidades que o cinto do homem morcego. Aliás, outro filme, Monstros S.A., ilustrou bem essa relação estável e de comunhão de bens entre as crianças e suas criaturas assustadoras.
Um dia, todos descobrimos que nosso pai não é tão poderoso como gostaríamos que fosse para nos proteger do mundo e até da mãe (outra poderosa). É nesses momentos que imaginamos monstros e super-heróis que vêm, pelo menos na fantasia, regular um mundo carente de autoridades e limites. Os monstros podem ser muito feios, mas acreditem, suas intenções são das melhores, usamo-los para elaborar nosso desamparo.
O problema não são os monstros, e sim pais que, por várias razões, não têm autoridade com os filhos e resolvem terceirizar a face malvada da função que deveriam estar exercendo. Chamam então o monstro, ou uma figura de autoridade de fora da dupla paterna, para fazer o trabalho que consideram sujo. A mensagem passada é: “Não sou eu que quer que você se comporte, é outro, eu mesmo não me importo com o que fazes ou deixas de fazer”. Na verdade, o que realmente assusta uma criança é todo tipo de abandono, é o adulto fraco, distraído ou preguiçoso demais para se ocupar dela. Quando as coisas chegam a esse ponto, algo não vai bem. Com os monstros a gente brinca, com a solidão a gente sofre.

Texto publicado em: ZERO HORA. Porto Alegre: Zero Hora, ano 41, 18 jul. 2005. Meu filho. p.3

domingo, 22 de maio de 2011

Não seria normal uma família portar-se sempre igual, não haver percalços, não haver sobressaltos. Pois a minha também é assim. Nos últimos tempos temos vivido muitas novidades e novidades lindas, como casamento de uma filha e gravidez de outra, formatura de filho, consolidação de carreiras, descobertas íntimas bem promissoras. Por outro lado, enfrentamos crise em emprego, falta de pagamento de salário, mas isso não abala nossa forma de viver que é simples, dizem alguns, simples demais. O difícil é conseguir absorver a velocidade com que as coisas acontecem hoje em dia. Quando nos damos conta, temos alguém mudando-se subitamente para muito longe, começando de novo algo que eu pensava estar estabelecido e sólido. Jamais imaginei que as coisas acontecessem tão rápido e que num piscar de olhos aparecesse um emprego tão maravilhoso e esperado, capaz de arrancar raízes inexoravelmente e levar duas criaturas embora, felizes da vida. Ficamos nós aqui, comemorando a conquista, aguardando com ansiedade cada email, cada telefonema, cada recadinho, cada espiada através da rede e, felicidade das felicidades, cada visita. Sinto pena dos que vão e perdem o crescimento da sobrinha tão amada e do sobrinho que ainda não nasceu, mas fico feliz por poder ter tanto orgulho das conquistas que animam a vida dos nossos filhos, filhas, genros e noras. O Mingo e eu temos a função de manter um cantinho quente e aconchegante para cada um que quiser reabastecer suas baterias humanas e isso nós fazemos bem. Acho!