sábado, 26 de outubro de 2013

Liberdade para Ana Paula.

                A família de Ana Paula, a ativista porto-alegrense do Greeenpeace presa na Rússia, causa-me um grande mal estar. Posso imaginar a situação da mãe da moça, tão longe da filha, temendo o que poderá acontecer com ela.
                As mães são feitas do mesmo estofo, mas as reações aos passos autônomos dos filhos e filhas são diferentes de uma para a outra. Há quem sinta orgulho, quando seus rebentos manifestam-se em favor de uma causa, principalmente se for uma boa causa. Há as que procuram conter o ímpeto juvenil, por medo de que a ousadia deles seja castigada de alguma forma.
                A cada passo mais ousado, o temor pelo desconhecido é muito mais forte por parte dos pais, do que por parte da juventude aventureira. Há um momento em que o espírito de aventura dá lugar a algo mais consistente e percebemos nosso filho ser tomado por um sentimento bem peculiar à juventude, assim como já foi para nós, os mais velhos. A utopia é a mola propulsora de quem é acometido pela compaixão.
                Preocupa-me a ânsia dos pais em dar limites aos filhos, quando o papel deles deveria ser o de empurrá-los para que ousem, para que se arrisquem. O limite deve restringir-se à consciência de que há o outro, que isso sim é importante. O respeito ao outro é algo que se aprende pelo exemplo, por que, ninguém pega um livro em dado momento da vida e dá para os filhos para que aprendam a respeitar e a ter um comportamento ético. Não há livro, nem palestra, nem diálogo que dê conta de um sentimento tão delicado, que é o do respeito aos semelhantes.
                Ana Paula está presa no outro lado do mundo e quando liga, mãe dela ouve que a saudade está sendo absurdamente maior do que o normal. Posso tentar imaginar o desespero dessa mulher por querer atravessar o mundo e pegar a filha no colo, dizer-lhe que fique tranquila, que tudo vai se resolver. É isso que nós, as mães, sabemos fazer muito bem. Mas Ana Paula não tem isso, nem a mãe tem a chance de exercer um ato tão natural.
                A manifestação que a mãe de Ana Paula está preparando para que as autoridades brasileiras encontrem um jeito de trazer a filha de volta, talvez seja a única coisa que pode ser feita. Nós as mães estamos solidárias, mas cientes de que mais dia menos dia a nossa criança poderá estar em maus lençóis, por engajar-se no que acredita seja o melhor para o mundo.



Publicado em O Nacional de hoje

                

sábado, 19 de outubro de 2013

O Nacional de 19 de outubro de 2013 - Coluna da nova fase após Diário de Uma Ex-Fumante.

Sobre envelhecimento, infância e cuidado.

                Fabrício Carpinejar deixou-me profundamente comovida com sua crônica de domingo em ZH. Revivi os anos de convivência íntima com meus pais, pelo fato de terem morado conosco até a morte. O assunto que ele levanta é das coisas mais delicadas que conheço.
                Estamos em vésperas do Dia da Criança e isso comove também. Somos pessoas que cuidam das duas pontas vulneráveis da trajetória humana: os velhos e as crianças. Não imagino algo mais importante de se fazer.
                Fizemos isso ao mesmo tempo lá em casa. Nossas crianças conviveram estreitamente com os avós, viram-nos participar da nossa grande mesa, viram o processo de envelhecimento acontecer devagar, mas de forma inexorável. Já nossos velhos alegraram-se com os nascimentos, os choros, as traquinagens, os progressos e, garanto, tudo aconteceu como devia, exceto o sofrimento que acompanhou minha mãe durante anos.
                É preciso coragem para viver de verdade, por que viver de verdade traz um monte de responsabilidades. Esta contingência não aceita desculpas e não perdoa omissões. A vida cobra cedo ou tarde e devolve tudo com generosidade. É difícil conseguir ser feliz sem cumprir o que nos cabe.
                Para que consigamos dar conta de tanta coisa, contamos com a tecnologia, que fornece fraldas maravilhosas, escolas bem equipadas e dentro delas as cuidadoras e professoras fazem tudo para o conforto e o desenvolvimento das nossas crianças. Contamos também com fraldas geriátricas e instituições modelo e dentro delas, cuidadores especializados em proporcionar bem estar aos idosos. As fraldas são itens importantes, no começo e no fim, no geral.
                Levar nossas crianças a frequentar escolinhas é um imperativo hoje em dia, dado a ausência dos pais o dia inteiro. Levar nossos velhos a morar em lares para idosos pode parecer crueldade, mas não é. Crueldade é não dar as condições necessárias para o cuidado adequado.
                As escolas não são depósitos de crianças, nem as casas para idosos são depósitos de velhos. Necessitar de socorro não pressupõe abandono nem desinteresse. Abandono é pensar que estranhos podem tomar nosso lugar.
                Nós somos insubstituíveis, por que carregamos conosco todo o potencial de cuidado amoroso de que os nossos pais e filhos necessitam. Precisar de ajuda não é falta de amor. E falar sobre isso é necessário.