quarta-feira, 22 de agosto de 2012


Hiperatividade, uma questão complicada


                O número de pais que diagnosticam e rotulam seus filhos como hiperativos é preocupante. A vontade de medicar crianças que “incomodam”, que “não param quietas”, os leva a procurarem um pediatra e, não raro, são apoiados e atendidos, sem que haja embasamento suficiente para uma avaliação e têm os filhos “parados” por medicamentos.
                As escolas, desde que existem, contam com crianças agitadas, barulhentas, brincalhonas, assim como com as sossegadas, organizadas, ciosas por estudar e contam também com casos especiais, o que demanda observação séria por parte de professores, pais e profissionais. No caso de haver suspeita de hiperatividade, o encaminhamento da criança ao pediatra não basta, devendo-se estender o atendimento a outros profissionais, como ao psiquiatra que, avaliando o caso, receitará remédios ou não.
                Tratar com leviandade algo como a hiperatividade, levou o Conselho Federal de Psicologia (Zero Hora 19/08/2012 pg.23) a fazer uma campanha nacional chamada Não à Medicalização da Vida. A campanha deve-se ao fato de que, em 2000 consumiu-se 70 mil caixas de remédio para hiperatividade, ao passo que em 2010 o número subiu para 2 milhões, vejam só!
                 Aos pais cabe respeitar a infância e não rotulá-la ao sabor de comentários sem fundamento. A expressão “meu filho é hiperativo” corre solta nos portões das escolas, nas reuniões de pais, entre amigos. Esses mesmos pais descrevem a pretensa patologia com expressões que revelam crianças felizes, que brincam, tagarelam, resistem a ficar sentadas quietinhas (coisa boa) bebendo do saber adulto, respeitando a autoridade que vem imposta e não reconhecida.  
                 Aos professores cabe a imensa responsabilidade de detectar, sim, algo que esteja impedindo a aprendizagem de crianças e devem alertar os pais para que ajudem a observar, sem que haja formulação de diagnósticos apressados, que podem servir de rótulo e discriminação. Após essa medida responsável e a detecção de que algo anormal esteja realmente acontecendo, a criança merece o melhor que a medicina pode oferecer, que é avaliação criteriosa, feita por especialistas e usar medicação específica. Mas isso ainda não basta. Os medicamentos devem ser ministrados por adultos responsáveis, que não interrompam, nem esqueçam, nem aumentem ou diminuem a prescrição feita pelo psiquiatra.
                A tarefa do professor é enorme, a responsabilidade dos pais é imensurável, mas deixar por menos é crime, na medida em que, ao se omitir o cuidado, nega-se a possibilidade de desenvolvimento saudável, o que, fatalmente, trará consequências. 


Publicado no Diário da Manhã de 21/08/2012

segunda-feira, 20 de agosto de 2012


A menina e o Facebook

                A menina de oito anos estava louca por uma página no Facebook e usou o domingo para pedi-la. Os pais, temerosos, argumentaram sobre a necessidade de se ter dezoito anos, sobre a possibilidade de invasão de desconhecidos, sobre o tempo que seria dispensado à página todos os dias e a menina, filha única, insistiu e argumentou também. Disse ter amigos com face, disse ter saudades das tias e tios e que aceitaria as restrições que lhe seriam impostas.
                A elaboração da página pela mãe foi acompanhada com ansiedade, a postagem de fotos nem se fala, mas, a chegada de convites de amizade causaram-lhe um frenesi. Foram gastas duas horas para que tudo começasse a funcionar e para que a menina conseguisse entender o funcionamento da coisa. Aí começou tudo...
                Face funcionando, menina excitada, pais preocupados e, como não poderia deixar de ser, começou o estabelecimento de regras: 1) não pode aceitar ninguém sem supervisão; 2) entrar na página sem tomar café, escovar os dentes, arrumar os cabelos, trocar de roupa e ter as tarefas escolares prontas, nem pensar; 3) em dia de sol tem que brincar lá fora; e,4) comportar-se com educação e respeito com todas as pessoas com que entrar em contato, como se fosse ao vivo.
                A sanção para o não cumprimento das regras: fechamento imediato da página de relacionamento. Acostumada com regras e com o cumprimento delas, a menina aceitou tudo e, relutante, foi dormir. A vontade dela seria continuar conversando com seu primo, mas o horário de dormir – regra anterior – havia chegado.
                Na manhã seguinte sua avó acordou cedo e deparou com a neta toda arrumada, de uniforme do colégio, cabelo escovado, toda linda e... teclando. Havia uma fila de pedidos de amizade não aceita, que passou pelo crivo da avó. Sim, já havia tomado café – banana com granola e leite = e os dentes estavam impecáveis. E, sim, as tarefas haviam sido feitas, só faltava estudar para a prova de língua portuguesa, coisa que foi cobrada a seguir pela mãe pelo telefone e, sim, ela estudou, um monte. A avó ainda está contando pra todo mundo...
                Do resultado de algo tão simples e tão perigoso pode-se tirar algumas conclusões: a menina, assim como muitos de seus colegas e amigos, é filha única e necessita interagir e tagarelar e trocar; a novidade proporcionou aos pais uma preocupação a mais, mas viu a filha levantar mais cedo, tomar café e sentir necessidade de lanchar no meio da manhã; deu a chance a eles de conversar sobre comportamento ético, sobre os perigos da internet, sobre delicadeza e respeito; constatou-se mais prontidão para os estudos; viu-se que a pouca habilidade para teclar- com um só dedo – deu lugar a uma agilidade muito maior e com o uso de mais dedos, capacitando-a para outras tarefas.
                Diante das ofertas que a tecnologia traz, cabe aos pais, não rechaçá-las, mas tomar as providências de segurança de que os filhos necessitam. Deixar crianças soltas diante do computador é como abandoná-las na rua à noite. A internet é lugar público e exige cuidados e um comportamento adequado, sem dar lugar à exposição exagerada, nem chance de que a inocência seja violada. Atenção e cuidado são pressupostos para quem cuida de crianças e amor e proteção são direitos inalienáveis de todas elas.  


Publicado no Jornal Diário da Manhã em 17/08/2012

No dia 01/09/2012 este artigo serviu de base para uma matéria no Diário da Manhã, acerca das crianças e o acesso à internet. Fomos visitados pela jornalista Alessandra, que entrevistou a Cecília e a Vanusa. A matéria é bem educativa.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012


Meu pai
                Ele era homem das antigas, não de atitudes antigas, mas das lides antigas. Era um alfaiate de mão cheia, daqueles perfeitos, daqueles que desmanchavam cada pontinho fora do lugar. As fatiotas, no começo das lides, eram passadas a ferro de brasa. E era um tal de: suspende casaco, coloca travesseirinho de retalhos por baixo, assopra as brasas do ferro, coloca paninho úmido por cima e lá se iam todas as ruguinhas  do linho, do gabardine, da lã, e, muito tempo depois, do tergal. Aliás, não tenho certeza de vê-lo usar tergal.
                Ele ia a festas, mas sempre atrasado por causa das fatiotas que devia entregar, frequentava o clube, mas só à tarde, quando o cansaço batia e aí era a hora da cervejinha, do bate-papo, do pontinho. A alfaiataria grudada a casa permitia que meu pai sempre estivesse à mão e como eu o procurava... Ele era mestre em dedos cortados, nos quais colocava uma generosa camada de pomada penicilina, um bom pedaço de pano branco que vinha de uma gaveta da cozinha - o que garantia a limpeza necessária, para depois amarrar tudo com linha, que ele enrolava exaustivamente, mas sem apertar. No dia seguinte, milagre! O dedo estava limpinho e quase bom.
                Ele era homem das antigas com atitudes sempre de vanguarda. Viajava para Porto Alegre e trazia novidades, a exemplo de uma enorme quantidade de mamão, que imediatamente odiei, mais pelo aspecto do que pelo gosto e que ele, explicava, seria coisa muito chique consumir, já que o encontrara no café da manhã do hotel. Foi de lá que ele trouxe o primeiro exemplar de “O Cruzeiro”, uma revista mensal que era a coqueluche da época nas grandes capitais. Pois o Seu Elmo fez a assinatura da revista para acompanhar o que acontecia na Argentina com Perón e no Brasil com Getúlio. A maior novidade e a mais apreciada por mim era o chocolate granulado, coisa muito linda e cheirosa que figurava nos ninhos de Páscoa, junto com um enorme coração de açúcar todo enfeitado de florzinhas.
                O Seu Elmo, meu pai, era homem de pegar bebê no colo, de ajudar a trocar, de atender de madrugada, sim senhor! Era homem também de ficar apreensivo com os enjoos intermináveis das tantas gestações da minha mãe. Não se furtava de ir pra cozinha preparar comida, café da manhã, quando a gente podia abusar da manteiga, dos nacos de salame, coisa que minha mãe cuidava de não haver abusos. Ele era assim, generoso. E alegre...
                O Ford 29 dele era usado para passear, não só para o trabalho. Na estrada ficávamos sem luz e imediatamente aquele pai começava a conversar animado e a assoviar não me lembro que tipo de música, mas era música de tranquilizar, disso eu tenho certeza.
                Ele tinha grandes preocupações quanto à formação dos filhos, por isso, nunca abriu mão de um bom colégio de freiras para todos, sempre fiscalizou as revistas Grande Hotel que líamos escondido e tinha preocupação com respeito às novelas de rádio que ouvíamos junto com a Dona Lina, minha mãe.
                Mas o meu pai nunca se esquivou de uma conversa, sempre respondeu a minhas perguntas, mesmo as constrangedoras e, na véspera do meu casamento, chamou-me à parte e disse coisas que nunca contei a ninguém, para não estragar a magia. As palavras dele embalam o meu casamento e servem até hoje quando quero ter uma conversa de vanguarda com os meus filhos.
                Meu pai era de épocas antigas, mas ele seria um grande pai de hoje, por que ele era movido pela alegria e pelo amor imenso que nutria pela família. Esse amor ele externou sem preguiça, com barulho, com risos e cuidados.
                Feliz Dia dos Pais, Seu Elmo, meu pai! Gostaria que ainda estivesses aqui para me ensinar algumas coisas que não tivemos tempo de conversar.