quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Olha o que encontrei do Contardo Calligaris - psicanalista

24 NOVEMBRO 2010

A coerência é um valor moral?



A coerência é o último refúgio de quem tem pouca fantasia e, talvez, de quem tem pouca coragem

NO FIM de semana retrasado, estive em Olinda, na Fliporto (Feira Literária Internacional de Pernambuco). No sábado, Benjamin Moser, que escreveu uma linda biografia de Clarice Lispector ("Clarice,", Cosac Naify), lembrou que, na famosa entrevista concedida à TV Cultura em 1977, a escritora afirmou que não fizera concessões, não que soubesse.

Moser acrescentou imediatamente que ele não poderia dizer o mesmo. E eis que o público se manifestou com um aplauso caloroso.

Talvez as palmas de admiração fossem pela suposta coerência adamantina de Clarice, que nunca teria feito concessões na vida. Talvez elas se destinassem a Benjamin Moser pela admissão sincera de que ele (como todos nós) não poderia dizer o mesmo que disse Clarice.

Tanto faz. Nos dois casos, o pressuposto é o mesmo. Que as palmas fossem pela força de caráter de Clarice ou pela honestidade de Moser ao reconhecer sua própria fraqueza, de qualquer forma, não fazer concessões parecia ser, para os presentes, uma marca de excelência moral.

A pergunta surgiu em mim na hora: será que é mesmo? Posso respeitar a tenacidade corajosa de quem se mantém fiel a suas convicções, mas no que ela difere da teima de quem se esconde atrás dessa fidelidade porque não sabe negociar com quem pensa diferente e com o emaranhado das circunstâncias que mudam? Aplicar princípios e nunca se afastar deles é uma prova de coragem? Ou é a covardice de quem evita se sujar com as nuances da vida concreta?

Como muitos outros, se não como todo mundo, cresci pensando que não fazer concessões é uma coisa boa.

Fui criado na ideia de que há valores não negociáveis e mais importantes do que a própria vida (dos outros e da gente). Talvez por isso me impressionasse a intransigência dos mártires cristãos (embora eu tivesse uma certa simpatia envergonhada por Pedro renegando Jesus para evitar ser reconhecido e preso).

Durante anos admirei os bolcheviques por eles serem homens de ferro (a expressão é de Maiakóvski, nada a ver com "Iron Man") e desprezei Karl Kautsky, que Lênin estigmatizou para sempre como "o renegado Kautsky", por ele ter mudado de opinião sobre a Primeira Guerra, sobre a revolução proletária, sobre o bolchevismo etc.

Vingança da história: Lênin se tornou quase ilegível, mas a obra principal de Kautsky, que acaba de ser traduzida, "A Origem do Cristianismo" (Civilização Brasileira), continua crucial.

Mas voltemos ao assunto. Hoje, estou mais para Kautsky do que para bolchevique; até porque descobri, desde então, que Mussolini se vangloriava gritando: "Eu me quebro, mas não me dobro". Ele se quebrou mesmo, enquanto eu me dobro e posso renegar ideias minhas que pareçam ser, de repente, inadequadas ao momento (dos outros, do mundo e meu).

Olhando para trás, descubro (com certo orgulho) que, ao longo da vida, fiz inúmeras concessões, inclusive na hora de escolhas fundamentais. Poucas vezes lamentei não ter sido coerente. Mas muitas vezes lamento não ter sabido fazer as concessões necessárias, por exemplo, na hora de ajustar meu desejo ao desejo de pessoas que amava e de quem, portanto, tive que me afastar.

Alguém dirá: espere aí, então a fidelidade a princípios e valores não é uma condição da moralidade?
Estou lendo (vorazmente) "O Ponto de Vista do Outro", de Jurandir Freire Costa (Garamond). O livro é, no mínimo, uma demonstração de que a forma moderna da moral não é o princípio, mas o dilema. E, no dilema, o que importa não é a fidelidade intransigente a valores estabelecidos; no dilema, o que importa é, ao contrário, nossa capacidade de transigir com as situações concretas e com os outros concretos.

A coerência é uma virtude só para quem se orienta por princípios. Para o indivíduo moral, que se orienta (e desorienta) por dilemas, a coerência não é uma virtude, ao contrário, é uma fuga (um tanto covarde) da complexidade concreta. Oscar Wilde, que é um grande fustigador de nossas falsas certezas morais, disse que "a coerência é o último refúgio de quem tem pouca fantasia" e, eu acrescentaria, de quem tem pouca coragem.

Resta absolver Clarice. Aquela frase da entrevista era, provavelmente, apenas uma reverência retórica a um lugar-comum de nosso moralismo trivial.

sábado, 20 de novembro de 2010

Boas notícias

Receber os jornais toda manhã e ter a sensação de caos já é coisa rotineira. Pois nos últimos dias, os jornais locais noticiam coisas muito boas e o caos, parece, está começando a ter contornos mais organizados, pelo menos nas áreas que nos causam maior preocupação: o encaminhamento da nossa sociedade para o cuidado melhor de crianças e adolescentes.

Vejam só: Cai pela metade o número de internos no CASE; Bombeiro Mirim conquista prêmio estadual; Passo Fundo amanhece com novo sistema de coleta de lixo; 58 famílias são beneficiadas com casas construídas no residencial Donária II; Um Computador Por Aluno – novas escolas integram o projeto – (ainda não em Passo Fundo); Gestação e o Bebê – mais de 50 gestantes e futuros pais dedicaram sete dias de seu tempo para aprender e reaprender sobre os cuidados com a gestação e o bebê; cerca de 80 mil pessoas passaram pela Feira do Livro; lançado o projeto Passo Fundo Natal dos Presépios; SEDEC- Material é entregue para núcleos esportivos nos bairros; UPF – Mostra de Iniciação Científica premia jovens pesquisadores; são alguns destaques da última semana.

É claro que esse elenco de coisas boas vem acompanhado de relatos de crimes, tempestades de granizo, afogamentos, mas não lembro de ter sorrido tantos dias seguidos de satisfação por ver algumas coisas sendo resolvidas e tantas outras projetadas.

A redução nas internações no CASE mostra o cuidado que estamos tendo com a aplicação de penas alternativas para os jovens infratores, assim como com as medidas em meio aberto estão sendo efetivamente acompanhadas e funcionando na região. A internação agora pode ser o último recurso para a recuperação dos adolescentes infratores, o que é uma nova realidade. O melhor de tudo é que a tendência é a reeducação de verdade, pois contamos também com Casa Semiliberdade – lugar para os que ganham progressão para medida de semiliberdade, onde os adolescentes pernoitam e, de dia, podem estudar e aprender, além de poderem visitar a família.

Ufa! Quase copiei o que o jornal traz, tal o entusiasmo e a alegria de que sou tomada, por que, como todo mundo, às vezes fico desanimada, por ver tão poucos resultados, apesar de ver tantos esforços, tantos profissionais envolvidos, tantas entidades doando gratuitamente seu tempo e conhecimento, tantas pessoas bem intencionadas que são (como diz a Maria Olinda) iluminadas e prestam serviços que nem podem ser dimensionados de nenhuma forma, tal sua relevância.

Devo destacar também, a visão dos secretários municipais que acolhem sugestões, contribuições e idéias, com o intuito de promover o bem comum. Faço parte de uma instituição composta por voluntários que sabe do que estou falando. Nos últimos anos estamos sendo ouvidos e, melhor, estamos sendo chamados a trabalhar, tanto na SEMCAS, quanto SME, o que acredito, agrega valor ao serviço público. Logo, logo, teremos uma Associação de Voluntários Cidadãos Entusiastas AVOCE, integrada por gente que está louca para contribuir, para que as notícias nos jornais sejam cada vez melhores.

Passo Fundo, você está de parabéns!



Publicado no Diário da Manhã de 18/11/2010

Publicado em O Nacional de 23/11/2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Outro Sarau

Foi muito legal o segundo sarau da Academia, no qual li alguns textos meus. Vê-los aplaudidos foi bem emocionante. Amo cada vez mais a Feira do Livro, por sua magia, seu cheiro, seu clima.

A difícil adolescência

Confesso que não gostaria de ser adolescente, mesmo sabendo que estaria em meu pleno vigor, com muitos anos pela frente para realizar sonhos. Ter sessenta e três anos me parece ser mais fácil do que ter dezessete ou dezoito.

Ouço muitos comentários por parte de pais e professores, assisto às notícias, leio jornais e chego à conclusão de que nossos jovens estão sendo extremamente prejudicados, pois lhes negamos seu passado, seu presente e seu futuro.

Fazemos isso quando lhes falamos que nossa infância foi muito melhor, pois andamos de carrinho de lomba, brincamos livremente pela rua, exploramos mato, rios e mares. Não nos furtamos de emitir nossas opiniões acerca da infância deles reprovando o videogame, os sites de relacionamento, as conversas no Messenger. Quando o assunto é música, então, a coisa fica pior. Nossas músicas tinham mais graça, dançava-se junto, o ritmo e a letra eram coisa que presta. Abominamos o fato de terem trocado o dançar junto pelo ficar junto, por terem trocado o caderno questionário com uma pergunta por página – horror das mães – pelo Orkut. Tudo o que fazíamos era muito melhor do que eles fazem, veja só!

Quanto ao presente, não aceitamos que eles consigam aprender em meio ao barulho, que façam muitas coisas ao mesmo tempo e com uma rapidez incrível. Queremos que eles aprendam de bom grado, sentadinhos por horas, em silêncio, bebendo da sabedoria dos professores. Eles teimam em aprender do seu jeito, teimam em questionar os comandos e não conseguem obedecer sem que tenhamos que dar mil explicações antes.

Com relação ao futuro, mostramos um mundo que desmontamos, onde promovemos guerras mundiais, territoriais, religiosas. Cometemos genocídios ainda hoje, mostramos pedófilos, terroristas, queimadas, num festival de tolices feitas por poderosos adultos. Nós somos adultos genocidas, suicidas e cheios de razão, questionamos meninos e meninas que, vendo todo esse descalabro, tratam de viver intensamente o momento presente, por ser impossível vislumbrar um futuro viável.

Não seria mais sábio se olhássemos para nossos adolescentes e tirássemos lições do que estamos causando? Sabe-se que o comportamento irreverente da juventude é uma característica e uma marca da própria condição adolescente e infantil; sabe-se que há um modo novo de aprender que ainda não entendemos, mas existe para quem tem olhos de ver; sabe-se que nossa autoridade está sendo questionada, justamente por causa das bobagens que fazemos, protagonizando escândalos de corrupção, envolvemo-nos em falcatruas amplamente noticiadas pela mídia.

Agora, como diriam nossos filhos: Fala sério! É possível ter uma adolescência saudável, se tudo o que se faz está errado? É possível projetar uma vida longa se tudo o que é mostrado está desmoronando? É possível confiar em adultos que exigem que se viva hoje, como se viveu ontem?

Nós os adultos temos que pedir desculpas por apresentarmos um mundo onde o passado foi melhor, o presente é feio e o futuro á catastrófico. Melhor seria se mostrássemos a caminhada da maioria que é honesta, trabalhadora, empenhada em melhorar a vida das crianças, dos jovens, dos velhos. Melhor seria se compreendêssemos que vivemos uma nova era, na qual a família tem um novo papel, que é o de cuidar melhor, que é também o de promover a autonomia dos filhos, sem desqualificá-los, ajudando-os a ver o mundo em permanente evolução, sem saudade de tempos em que éramos comandados de todas as formas, tanto em casa, como nas ditaduras que sofremos.


Publicado no Diário da Manhã de 2 de dezembro de 2010

Publicado como Tema para Debate em Zero Hora de 26/12/2010

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Sarau

Tive oportunidade de apresentar à comunidade, pela primeira vez, um pouco do meu Patrono Ernani Fornari. Tivemos um sarau na Feira do Livro, um espaço concedido à Academia Passo-Fundense de Letras e o aproveitamos para ler poemas, cantar e, da minha parte, apresentar meu Patrono. Ernani Fornari nasceu no final do século XIX e morreu na década de 60, o que o fez protagonista de um movimento riquíssimo de quebra de paradigmas no pensamento e na estética brasileira. Fez parte daquele grupo que, a exemplo dos intelectuais da França, contestou a industrialização, o consumismo exacerbado, o que culminou no Simbolismo. O movimento que estava começando a estudar Freud, passou a cultivar a subjetividade, o que fez dessas personalidades questionadores dos dogmas, fez surgir fortemente um sentimento de antagonismo às verdades estabelecidas e incrementou o modernismo. Ainda estou estudando o homem Ernani Fornari, mas o que já sei me faz orgulhosa do meu Patrono. Ele fez parte do governo Vargas, como intelectual e encarregado de pastas ligadas à cultura, foi extremamente fiel ao Presidente, mas, insurgiu-se ao clima ditatorial do governo e retirou-se com muita dignidade. Ainda voltarei a falar dele, pois estou impressionada.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Paulo

Hoje participamos da missa de sétimo dia de falecimento do Paulo. Não consegui escrever nada quando ele morreu e a respeito dele, por que foi muito doído perdê-lo. Estou vivendo isso ultimamente, estou perdendo amigos, todos homens. Minhas amigas viúvas me fazem tremer de medo, pois os homens têm o triste costume de morrer muito cedo. Vejo minhas amigas mergulhadas na dor, pois viveram vidas de verdade. Todas elas amavam seus maridos e ainda os amam. Vejo-as também, e isso é uma temeridade dizer, conseguirem sair da dor, justamente por que foram felizes. Percebo que o amor de verdade nos fortalece, por ser algo que levamos conosco, mesmo que um dia tenhamos que nos separar. A Simone está nesse mergulho doloroso, mas percebe-se seu imenso poder de regeneração. Tenho certeza de que ela ficará bem, assim como o Augusto e o Vinícius, pois tiveram lindas lições de como se vive, de como se ri, de como se deve ser amigo, de como se deve ser solidário, de como se vive em comunidade. Tenho que agradecer por ter convivido de forma tão estreita com o Paulo, por que foi tudo especial, leve, agradável, mesmo nas ocasiões em que trabalhávamos muito. O Paulo continua vivo dentro de mim, não como um amigo que perdi, mas como um amigo que ganhei e que ficará gravado na minha retina, sempre sorridente e no meu coração, sempre distribuindo amor. Tchau, Paulinho...