domingo, 25 de dezembro de 2011

Publicado em O Nacional de 22/12/2011

Onda justiceira contra a enfermeira cruel

Quem participa de redes sociais está presenciando as manifestações hostis espalhadas contra a enfermeira que matou seu cãozinho em Goiás.
Esta onda remete-nos à Idade Média, período em que a justiça era praticada sistematicamente, levando à forca ou à guilhotina, para regozijo do povo, criminosos julgados por um juiz e pelo clamor popular por justiça a qualquer preço.
Com o advento das ciências, a justiça é perpetrada valendo-se dos recursos que a psicologia, a sociologia, a medicina, a psiquiatria e os júris populares proporcionam, que julgam o grau de periculosidade do criminoso, os motivos que o levaram a cometer o crime e a probabilidade de voltar a cometer crimes.
O sistema judiciário, desta forma, marca o advento de formas mais humanas e científicas de julgamento, fazendo com que as injustiças e a arbitrariedade sejam reduzidas. Aos poucos também, abandonamos as execuções em praça pública e passamos a afastar os criminosos do convívio com a sociedade, trancando-os em presídios geralmente insalubres, onde, longe dos nossos olhos, pratica-se a tortura e a degradação, sem chances de recuperação. A reinserção do preso ao convívio social, por essa razão, ainda hoje, é difícil.
Estamos vivendo uma forma de clamor popular por justiça nas redes sociais, a exemplo da retaliação feita à enfermeira. Isso acontece com uma violência inominável, chamando-a de todos os adjetivos pejorativos que podemos imaginar; incitando para que ninguém lhe dê trabalho, divulgando seu nome, nome dos filhos, endereço, numero de telefone, numa clara demonstração de que têm em suas mãos a prerrogativa de fazer justiça.
Todos sabemos a força que as redes sociais têm para agrupar multidões, derrubar ditaduras, cometer bullying, agredir grupos, formar gangues e tantas outras práticas que não a comunicação entre as pessoas, a facilidade para fazer amigos, a disseminação de cultura, enfim, todos os recursos que a internet nos proporciona.
A crueldade que a enfermeira cometeu não justifica que nos tornemos algozes dela, incitando os ânimos para que seja linchada moral e, talvez, fisicamente, trazendo de volta a justiça medieva que encontra aí, todos os ingredientes de violência e arbitrariedade.
Cabe-nos esperar que as leis que existem em defesa dos animais sejam usadas para fazer a enfermeira responder pelo que fez, assim como seja julgada com base no Estatuto da Criança e do Adolescente por ter exposto seu filho pequeno à visão dantesca capaz de virar o estômago de qualquer pessoa.
Indignação não é sinônimo de incitação à violência. Temos que evitar o datenismo justiceiro, sob pena de nos tornarmos piores do que ela.
Sueli Gehlen Frosi