sexta-feira, 30 de abril de 2010

Revista Somando
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Especial
Homenagem às proezas das mães
* Sueli Gehlen Frosi

Reverenciar as mães é uma necessidade na medida em que reconhecemos sua contribuição inestimável e intransferível para a evolução da humanidade. É reconhecer suas façanhas ditadas pela experiência de ser mãe de uma criança, pois é aí que a mulher vive uma plenitude difícil de descrever, feita de humores corporais, cheiros, olhares, aprendizados mútuos de ser mais gente. Queremos homenagear as mães suficientemente boas, não as perfeitas, mesmo porque, segundo Winnicott, elas não existem.

Uma mulher, quando aconchega seu bebê e olha para ele, permite-lhe o reconhecimento de sua maternidade, fazendo do ato de amamentação algo muito superior ao ato de alimentá-lo. Um ato que humaniza, que amoriza e aproxima. A mãe que não gesta, mas adota um filho, consegue o mesmo feito, desde que se valha dos mesmos mecanismos biológicos que empurram as mulheres para uma maternidade bem-sucedida.

A mãe é responsável pela proeza mais complexa vivida por um ser humano, que é a de aprender o idioma materno em alguns meses. Uma aprendizagem tão intensa e rápida acontece por causa dos sussurros, cantigas de ninar, conversinhas ao pé do ouvido, olhar atento e ao aplauso a cada avanço. A mãe deve acompanhar as primeiras tentativas de fala da criança, pois é dela a tarefa de ensiná-la a falar, sob risco de prejuízo posterior, tanto em outros aprendizados, quanto em seu desempenho social. Uma criança bem alfabetizada aprendeu a falar com sua mãe.

Para aprender com competência, um bebê não necessita que sua mãe tenha formação acadêmica, não precisa dela um QI superior; ele só necessita ser apreciado, aplaudido, estimulado por alguém feliz e disponível, o que derruba as teorias de que a qualidade do tempo vale mais do que a quantidade de tempo. É crucial que a criança pequena seja atendida em sua integralidade, o que lhe proporciona a certeza de que está segura, de que não precisa ficar angustiada, mas, se ficar, ser compreendida e acolhida com o colo e o olhar carinhoso. Essa segurança será a mola propulsora para que o bebê vá se afastando da mãe gradativamente, bem antes do que uma criança negligenciada, ou a que fica longe da mãe por muito tempo.

Devemos homenagear as mães, também, por permitirem que o pai ou outro adulto significativo entre na vida da criança, a fim de que ela se perceba alguém separado e diferenciado da mãe. A função paterna apresenta o filho ao mundo, é o que socializa o bebê, é o que o leva a passear e diz com suas atitudes que a mãe não é exclusividade sua. Isso contribui para que a criança vá conquistando autonomia, rompendo com o elo exagerado mãe-bebê. A entrada de uma terceira pessoa na relação, depois de outras mais, só é possível acontecer de forma saudável com o consentimento da mãe, e isso acontece se ela for saudável emocionalmente, se estiver feliz e segura. Isso ocorre desde que se sinta amada, protegida e cuidada pelas pessoas que a rodeiam.

Sabemos muita coisa, hoje, para que fiquemos alheios às necessidades de cuidados à gestante, à nutriz, à mãe que despende toda sua energia para atender sua prole. As iniciativas que protegem as mães, como licença maternidade, agora ampliada para seis meses, representam a constatação de que devemos cuidar melhor da infância, cuidando melhor das mães, valendo a máxima de Maturana, que afirma que o futuro da humanidade não está nas crianças, mas nos adultos que cuidam das crianças.

As homenagens às mães são mais do que merecidas, pois ainda existimos por causa delas. Somos fruto do que ganhamos das nossas mães, suas proezas nos acompanham pela vida afora, pois seu legado nos marca indelevelmente.

* Diretora Regional da Escola de Pais do Brasil


quarta-feira, 28 de abril de 2010

Quem cuida de quem cuida de crianças?



Estamos longe dos tempos em que as mães cuidavam de suas crianças durante as vinte e quatro horas do dia. Hoje elas trabalham fora de casa, viram-se em duas pra dar conta de tudo o que tem que fazer e as crianças, em grande parte, são cuidadas por cuidadores. Ainda há as mães e pais que ficam em casa, mas, ainda assim, as crianças são levadas para escolinhas e creches bem cedo.

Pode-se arriscar dizer que a maioria das crianças são cuidadas por cuidadores, portanto.

Mas, será que essas pessoas que assumem o encargo de cuidar de pessoas em desenvolvimento estão capacitadas devidamente para tão grandiosa missão? Será que elas estão aptas a amar e proteger de forma adequada?

Temos notícia nos últimos dias de casos de tortura contra crianças bem pequenas, vitimadas por pessoas que, desequilibradas, foram notícia de jornais e TV. Para as autoridades que lidam todos os dias com crimes contra crianças, isso não é novidade, pois recebem, de forma assustadora e crescente, denúncias de maus tratos, estupros e todos os tipos de violação de direitos, por parte de adultos, na maioria das vezes adultos da própria família.

Cabe-nos proteger nossos filhos e filhas, mas não só isso, cabe-nos cuidar de todas as crianças. A perda e a violação de uma criança é irreparável e depõe contra a nossa humanidade. É intolerável a omissão e a ignorância quando se trata de proteger a infância.

Esses casos notórios e ostensivos, por vezes, não nos deixam ver as pequenas crueldades que acontecem e que, por não estarmos preparados, deixamos acontecer. Quantas vezes vimos crianças serem surradas, até mesmo espancadas e ficamos quietos? Quantas vezes vimos meninos e meninas serem insultados por adultos? Quantas vezes vimos crianças serem vitimadas por outras crianças e pensamos que fosse normal? Se olharmos pra dentro de nós, talvez nos lembremos da nossa infância, das vezes em que riram das nossas gafes, das vezes em que gritaram conosco, das vezes em que bateram em nós e de quanto isso nos fez sofrer. Talvez nos lembremos dos apelidos que botamos nos nossos colegas, rimos deles e isso nos fez sofrer também.

A infância deve ser um tempo cheio de alegria, de aprendizado, de descobertas, de carinho. A atuação dos adultos deve ser estimulante, exigente com relação às boas maneiras e para isso eles devem ser respeitáveis, equilibrados e, principalmente, disponíveis. O abandono também se caracteriza quando os adultos são indiferentes e relapsos.

Cuidar de crianças não é tarefa para todos, pois dá muito trabalho, exige atenção em tempo integral e, mais importante, exige preparo. Nem todas as pessoas estão preparadas para algo tão absorvente. Sentir-se gratificado no final do dia por ter respondido mil perguntas, por ter ajudado a andar, por ter ajudado nas tarefas da escola, por ter cuidado dos machucados, por ter tranqüilizado, por ter dito mil vezes a mesma coisa, é a melhor coisa do mundo. Mas, estamos nos sentindo assim? Ou descobrimos falhas onde não podemos falhar?

Há que cuidar dos adultos para que eles cuidem adequadamente das crianças. Este é um desafio que não tem tamanho, gente!


Publicado no Diário da Manhã em 30/04/2010

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Fila para idosos, para quê?



Raramente faço uso de fila para idosos, por várias razões, pois sou saudável e forte, por ver que as filas de idosos são maiores do que as dos caixas normais e por esquecer-me da idade que tenho.

Esta semana precisei de um medicamento em uma cidade do nordeste, tarde da noite, estava muito quente dentro da farmácia, o que piorava meu mal estar e a fila era enorme. Vi que não aguentaria e pedi um caixa para idosos. Fui orientada a passar na frente de todo mundo, o que fiz a contragosto e constrangida. Um senhor abordou o caixa que me atenderia e disse que não concordava com a deferência e disse que havia mais idosos na fila. O caixa, ciente do Estatuto do Idoso, pediu que os idosos passassem à frente, o que irritou mais ainda o dito senhor, que, indelicadamente, afirmou que dali em diante levaria sua avó para as filas que teria de enfrentar.

Fui atendida, como era certo, mas a ironia de que fui vítima me incomodou sobremaneira.

Contei o caso a um gerente de banco e ele me esclareceu que as filas dos idosos são um engodo e que a lei manda dar prioridade ao idoso, às gestantes e aos portadores de necessidades especiais, só isso. Portanto, não há necessidade de filas, mas há necessidade de que as pessoas que compõem as filas, assim como os caixas de bancos, farmácias, supermercados, lojas e todos os estabelecimentos que recebem pessoas, compreendam que ceder lugar aos que necessitam, nos torna melhores, mais humanos e mais gentis.

Logo, logo seremos muitos velhos, as estatísticas mostram isso e se não formos mais civilizados, o trabalho de pessoas como o da doutora Zilda Arns terá sido inútil.

Há quem diga que as pessoas só conhecem seus direitos e não seus deveres, o que encoraja alguns a se referirem a crianças, como se crianças tivessem voz para reivindicar seus direitos. Elas necessitam do nosso discernimento adulto para que sejam respeitados e cuidados devidamente. Há velhos que também perderam sua capacidade de discernimento e curvam-se às exigências de estabelecimentos que não os protegem, mas os sacrificam ainda mais.

Portanto, espero que as pessoas vulneráveis saibam que têm prioridade e que não necessitam enfrentar filas, mesmo as especiais, às vezes longas demais e que ninguém se valha da sua avó para desvirtuar o que veio para facilitar a vida de muitas pessoas.


Publicado no Diário da Manhã de 09/04/2010

Publicado em O Nacional de 14/04/2010

Publicado em Zero Hora de 17/04/2010