terça-feira, 28 de abril de 2009

Mediação e Práticas Restaurativas

Estamos criando a Associação de Voluntários de Passo Fundo, de cuja terceira reunião saímos ontem absolutamente animados, dado o número relevante de pessoas, o número de termos de adesão preenchidos e assinados e ao entusiasmo dos que se fizeram presentes. O motivo da criação da associação deve-se ao fato de que a Justiça, ao determinar medidas sócioeducativas, necessita contar com pessoas da comunidade para olhar pelos adolescentes em conflito com a lei. Os voluntários devidamente capacitados, serão os olhos do judiciário, de tal forma, que saberão dizer se os adolescentes cumpriram da forma correta sua medida, se estão ajustados ao meio em que vivem, quais as eventuais carências que apresentam e se a medida que cumpriram surtiu o efeito sócioeducativo que se desejava. Portanto, não estamos falando de qualquer voluntário, mas de voluntários preparados, sensíveis e comprometidos com o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Trata-se da formação de pessoas que assumirão um compromisso sério com a cidadania, com a compaixão que deve mover uma ação dessas e com a capacidade de exigir que o poder público faça pelos adolescentes o que deve ser feito, a fim de que eles consigam caminhar com propriedade e autonomia para a vida. Estamos muito otimistas com a formação do grupo e com a capacitação que está sendo oferecida a cada quinze dias nas dependências do Imed, que conta com mais de cinquenta pessoas que estudam e analisam o que está acontecendo no mundo e mais especificamente em nossa cidade, a fim de promoverem círculos restaurativos, a fim de estarem habilitados à prática de mediação de conflitos nos bairros, escolas e mais onde se faça necessário alguém que saiba ouvir e compreender o que leva as pessoas a situações de conflito, o que isto lhes causa de prejuíso pessoal e o que esperam fazer, para amenizar o prejuízo. Eu considero esta prática a única forma de criar uma cultura de paz, tão necessária em uma cidade com as características de Passo Fundo.
Veja abaixo o convite que postei. O evento acontecerá às 18 horas.

domingo, 26 de abril de 2009

Para quem tem vizinhos

26 de abril de 2009 N° 15951
ARTIGOS
O som nosso de cada dia, por Marcos Rolim*

Em meados do século passado, Adorno sustentou que o predomínio da indústria cultural na música – aquela orientada para a venda e não para a qualidade – produzia o que ele chamou de “regressão da audição”. A ideia básica é que a relação com a música oferecida pela indústria impelia o público a um “estado infantil”, criando ouvintes dóceis e incapazes de apreciar música, porque só reagiam ao que já lhes apresentara anteriormente o mercado. Este ouvido deformado não poderia se concentrar em nada complexo; aspectos banais e truncados – o ritmo, por exemplo – seriam mais do que suficientes. As posições de Adorno são polêmicas e, por certo, incapazes de dar conta dos problemas que percebeu. Sua predileção por Schoenberg e pela música dodecafônica (que talvez só seja “apreciável” como uma dedução filosófica), ou mesmo sua incompreensão do jazz, parecem evidenciá-lo. Tenho, entretanto, que isto não invalida sua tese da regressão da audição. Observe-se que na música popular que se ouve hoje, independentemente do gênero, sequer a letra parece ter alguma importância. Noves fora, falamos do reino do mesmo, da degeneração e da miséria estética. Ao que tudo indica, foi-se o tempo em que os compositores tinham algo a dizer; agora, ainda que o tivessem, os interessados em ouvi-los não constituiriam um mercado.Bem, até aí, morreu Neves. O problema é que o mau gosto vem sempre em alto volume, vocês já notaram? Mudo de opinião no dia em que um carro desses transformados em amplificador parar no sinal, ao meu lado, tocando a Nona Sinfonia; ou – para citar uma alternativa popular – reproduzindo o espetáculo que a desconhecida e surpreendente Susan Boyle ofereceu ao mundo cantando I Dreamed a Dream em programa de calouros na TV inglesa (confira em: www.youtube.com/watch?v=j15caPf1FRk).Bem, a maioria pode discordar e afirmar que “gosto”, afinal, é aquele de cada um e que a simples ideia de “mau gosto” é arbitrária, elitista etc. Posições relativistas como estas, aliás, costumam fazer sucesso entre pessoas de mau gosto, mas tudo bem. Independentemente disto, a questão é: por que razões devemos ser obrigados a ouvir a música que nossos vizinhos apreciam se ela nos irrita? Por que devo ter minha atenção desviada no trânsito por um sujeito que ouve pagode em um volume capaz de mobilizar dois quarteirões se entre o pagode e a sirene dos bombeiros fico com a sirene? Por que é preciso tolerar que o espaço público seja colonizado pelo “gosto” de um ou outro indivíduo que, em total desprezo pelas pessoas que por ali transitam, empurra sobre todos aquilo que ele chama de “música”; quase sempre um amontoado de grunhidos ou versos “antalógicos” (relativo às “antas”)?Para Nietzsche, a vida seria um erro sem a música. Se vivesse hoje, teria se transformado em um serial killer. Que cada um ouça o que bem entender, claro. Mas por que punir os demais com o seu gosto? Não há algo de sádico nisto? E ainda tem o “lacre azul do cachorrinho” do caminhão de gás que invade meu bairro duas vezes por dia. Dai-me paciência, Senhor!
* Jornalista

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Matéria de O Nacional de hoje


Voluntários em ação e associação 15.4.2009
Voluntariado: dentre diversas iniciativas já existentes no município, uma das novidades é a Associação de Voluntários de Passo Fundo, que agrega pessoas com vontade de trabalhar e ajudar os outros, doando e compartilhando conhecimento
Glenda Mendes/ONFotos: arquivo dos integrantes da associação
Ser voluntário significa doar, compartilhar e trabalhar pela simples, e complexa, compensação de estar ajudando alguém. Com esse intuito, milhares de pessoas dedicam parte de seu tempo a um trabalho voluntário e assim ajudam instituições, escolas, entidades. A importância do voluntariado é tanta que em 1998 foi publicada uma lei que define e avaliza esse trabalho.
Dentro desse espírito, em Passo Fundo, foi criada uma associação que agrega diversas pessoas que tiveram a iniciativa de doar seu tempo para auxiliar os outros: a Associação de Voluntários de Passo Fundo.
Conforme Mauro Gaglietti, integrante e um dos organizadores da associação, essa pode ser considerada uma das boas notícias de Passo Fundo. "Nossa cidade é uma das poucas de porte médio cujo trabalho voluntário ainda não estava organizado. Todavia, existem muitos voluntários realizando trabalhos relevantes isoladamente e sem nenhuma articulação e organização", explica. Para ele, esse é um dos motivos que leva muitos voluntários a desistir de continuar atuando assim como o despreparo dos funcionários e técnicos das instituições. De outro lado, estão as entidades que precisam desse trabalho, como é o caso da Semcas (Secretaria de Cidadania e Assistência Social). "A secretaria está necessitando de orientadores sociais para atuar com os jovens que estão em conflito com a lei e cumprem, por designação da Vara do Juizado da Infância e da Juventude, medidas socieducativas em meio aberto sob responsabilidade da secretaria", exemplifica. Além disso, existe o Case (Centro de Atendimento de Socioeducativo) que, segundo Gaglietti, necessita de oficinas de cultura e de profissionalização "nas quais o conhecimento e o tempo dos voluntários serão utilizados", ressalta.
Dessa forma, a associação preenche essa lacuna, atuando na mediação comunitária, na mediação de conflitos envolvendo famílias, em oficinas de cultura e de profissionalização no Case, como orientadores sociais, cuidando dos jovens em conflito com a lei, entre outros. E já começam a ser colhidos alguns resultados.
Somente no Case, já são 35 jovens beneficiados. Na Semcas, mais de 50 pessoas já foram auxiliadas pelo trabalho dos voluntários que fazem parte da associação. Além desses, existem ainda os trabalhos realizados pelo Nujur (Núcleo de Prática Jurídica) da Imed (Faculdade Meridional), pela Escola de Pais do Brasil, pela Comissão de Direitos Humanos e pelas escolas de Direito, Psicologia e Gestão Pública da Imed. A atividade também conta com o apoio do Ministério Público, da Vara do Juizado da Infância e da Juventude, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, do curso de Serviço Social da Universidade de Passo Fundo e do Fórum de Socioeducação de Passo Fundo.
Mas a ideia é que o trabalho não pare por aí. Novos voluntários são aceitos pela associação. Para fazer parte, de acordo com Gaglietti, "basta entrar em contato com a Imed, por meio do Nujur, pelo telefone 3045 6100 ou na Semcas", comenta.
"Sou voluntária"A motivação das pessoas em tornar-se voluntárias varia de acordo com suas histórias pessoais. Uma das voluntárias que faz parte da associação, pela Escola de Pais do Brasil, Sueli Gehlen Frosi, contou a ON como começou o trabalho.


O Nacional - Como surgiu a vontade de fazer trabalho voluntário?

Sueli Frosi - Surgiu da inquietação tão comum de ser útil e de contribuir para que o mundo seja uma lugar melhor para se viver. O fato de ser mãe de três meninos e de duas meninas tornou-me mãe também de todas as crianças do mundo, e eu queria que mais crianças fossem bem cuidadas e protegidas, assim como eu procurava amar e proteger as minhas. Daí até encontrar uma instituição condizente com minhas aspirações foi um passo. O Domingos [marido] e eu passamos a trabalhar como voluntários na Escola de Pais do Brasil há mais ou menos 15 anos, de forma organizada e sistemática. Coordenamos círculos de debates, assim como os outros integrantes da associação, em escolas, empresas, igrejas, associações de bairro, prefeituras, em todos os lugares em que haja pais e ou agentes cuidadores de crianças e adolescentes. Ajudamos essas pessoas a pensar estratégias criativas e inteligentes para melhor cuidar de suas crianças e adolescentes.


ON - Algumas das histórias das pessoas que você ajudou marcaram sua vida? Pode contar alguma?

Sueli Frosi - A cada final de um ciclo de debates fazemos avaliações com os pais que participaram e verificamos os relatos emocionados de melhora no relacionamento familiar. Os pais contam que estão conversando mais em casa, que estão sendo mais carinhosos, que ouvem os filhos muito mais, que a vida está sendo levada com mais leveza e tranquilidade. Toda a vez que um pai e uma mãe relatam que estão mais tranquilos, mais seguros e mais felizes, nós ficamos mais felizes ainda.


ON - Quanto tempo você dedica para as atividades de voluntariado?

Sueli Frosi - Em tempos de plena atividade, dedico para a Escola de Pais do Brasil cerca de 4 horas por semana, mais algumas horas de estudo. Algumas vezes por ano, viajamos para treinamento e capacitação, pressupostos necessários para que o trabalho voluntário tenha qualidade e efetividade. Uma ou 2 horas por semana dedico a novos projetos e para novos voos voluntários.


Sueli e Domingos promovem reuniões com pais e conseguem como resultado que as famílias envolvidas dialoguem mais

terça-feira, 7 de abril de 2009

Amar melhor é a solução para tudo



“Os aspectos importantes da dinâmica sistêmica que nos fazem e conservam como seres humanos são a intimidade do amor e o jogo na relação materno-infantil e uma infância vivida de maneira que a pessoa em crescimento conserve o respeito por si mesmo e pelo outro [...]. A relação primária entre mãe e filho ou filha é uma relação de total confiança e mútua aceitação corporal na qual, na dinâmica do jogo com a mãe, o filho aprende a sua corporalidade e a corporalidade dos outros, desenvolvendo sua consciência de si e sua consciência social no auto-respeito e respeito pelos outros, ao mesmo tempo em que cria o mundo em que vive como uma expansão de sua dinâmica racional e corporal. Se esta relação primária mãe-filho não é perturbada, o humano conserva-se como maneira de viver na vida adulta.” Maturana
Maturana, cientista e biólogo chileno, consegue jogar luz sobre o que pensamos acerca da escola, acerca da juventude e os descompassos de que temos notícia.
A biologia do amor de Maturana concebe algumas máximas muito elucidativas sobre nossa evolução como seres humanos. Para ele, o futuro da humanidade não são as crianças, mas os adultos que cuidam das crianças, pois exercitando todos os dias o amar e o cuidar, reaprendemos a viver todos os dias, integrando-nos ao ambiente e respondendo a ele.
A relação materno-infantil, segundo a concepção de Maturana, é baseada na confiança que liberta, que está assentada na intimidade, na afetividade e no amor. Amar é ter capacidade de dar espaço ao outro, para que cresça e possa se desenvolver em plenitude. Amar também é deixar fazer as coisas, sem ditar regras, é criar novas responsabilidades, para que todos se sintam comprometidos.
A beleza do pensamento e da pesquisa de Maturana está em não aceitar o amor como algo dado, mas em acreditar na conjugação do verbo amar. Amar é o principal remédio para o sofrimento, já que 90% do sofrimento humano vem em consequência do desamor.
Somos seres frágeis por natureza e não nascemos sabendo amar, mas aprendemos a amar através da vida, exercendo os papéis que nos são dados, dentro da organização familiar. A família é o primeiro e o principal meio onde aprendemos a respeitar o outro e a colaborar para seu desenvolvimento.
A relação mãe-filho é algo tão determinante a ponto de conseguir que um bebê de dois anos saiba falar uma língua, o que é uma proeza incapaz de se repetir no resto da vida do indivíduo, com tal intensidade. É o exercício do amor que faz esse trabalho. É aquele diálogo balbuciante entre a mãe e o bebê que opera esse enorme aprendizado.
As tentativas modernas no sentido de entender as dificuldades que as crianças estão apresentando na escola, têm em grande parte, explicação aí, nesta relação entre a mãe e o bebê. Um bebê privado de intimidade e carinho, não terá o mesmo aporte de aprendizagem que um bebê acalentado no colo da mãe. Para Winnicott “não existe saúde para o ser humano que não tenha sido iniciado suficientemente bem pela mãe”, e ele é claro ao dizer que essa mãe não é necessariamente a mãe biológica, mas alguém que ame a criança e cuide dela suficientemente bem.
Portanto, se as coisas não vão bem, se as crianças e os jovens aprendem mal e não respeitam seus pais e professores, eles estão merecendo um pedido de desculpas da parte dos adultos, que não souberam amá-los e negaram que somos originalmente amorosos. Cabe reconquistá-los ao invés de culpá-los, não?
O meio ambiente em que tudo acontece para o bem ou para o mal, é a família (depois a escola), onde, segundo Maturana, se dá a educação amorosa, capaz de produzir seres evoluídos que irão cuidar dos seus próprios filhos para que sejam capazes de amar, que terão seus próprios filhos capazes de amar, que terão seus próprios filhos capazes de amar...
E assim continua a família e a escola como um lugar privilegiado para a construção do Amor, agora sim um substantivo, tratado até então como um verbo, ou melhor como uma trajetória e uma linda possibilidade.
Publicado em 08/04/2008 no Diário da Manhã