PAREI DE FUMAR
Esta é a terceira vez que paro de
fumar. Das outras duas tive êxito, juro! Fiquei um ano e três meses livre e
saudável.
O que me fez perder a batalha, nas
duas vezes, foi a valentia e a saudade. Valentia por me sentir totalmente fora
do vício e saudade da companhia, do ritual de pegar aquele objeto tão próximo,
por tanto tempo, e fumar. De valente e
saudosa a fumante foi um passo.
Um cigarro e a intenção de não repetir, a outro
cigarro horas depois, fizeram com que eu perdesse respeito por mim e a pensar
que de tão livre eu poderia fazer isso quantas vezes quisesse. O resultado foi
a atitude infantil de fumar escondido, por vergonha dos que haviam apostado em
mim, haviam aguentado meu mau humor, meu desespero, meu sofrimento.
O dia nove de janeiro de 2013
representa um marco, uma data em que repito o feito, desta vez acompanhada de
um diagnóstico de alguns problemas físicos, que não posso ignorar.
Estou me sentindo ameaçada e fumar não
me parece mais ser algo que eu possa continuar a fazer. Estou amedrontada e
ciente de que não posso mais tentar. Espero encontrar o que preciso dentro de
mim por que fora de mim tenho o apoio, de novo, das pessoas que me amam e que
não quero decepcionar.
Os primeiros cinco dias sem fumar são
algo de que não consigo lembrar direito. Tenho consciência de ter feito tudo o
que precisava fazer, mas os sentimentos são nebulosos.
Confesso que tramei mil formas de driblar a
mim mesma, que pensei em mil formas de dar uma tragadinha aqui e ali para
acabar com o calvário em que eu estava metida.
Falo de calvário de boca cheia mesmo,
por que o que vivi foi o inferno puro e simples. No quinto dia tive pena dos
que me rodeavam, por que eu estava escabelada, desnorteada, com vontade de
matar alguém. Chorei amargamente por diversas vezes e perguntei à minha nora
Angélica se alguém já tentou se matar por causa de abstinência. Ela sorriu e,
coisa bem do jeito dela, um tempo depois, ela falou que sim, que poderia
acontecer. Carinhosamente completou dizendo que o cigarro não merece tudo isso
e que eu deveria mudar o foco. Quando ela falou isso, eu já havia tomado umas
gotinhas milagrosas, motivo pelo qual, pude ouvir e analisar bem o que aquilo
significava. Desde aí, melhorei.
Tive vontade de fumar muitas vezes,
mas, mesmo que tivesse acesso a uma tragada eu a recusaria. Não tenho mais medo
de morrer de falta do cigarro, já posso pensar em outras coisas bem agradáveis.
Passamos uns dias na praia, onde
encontrei gente lutando contra o vento para acender seus cigarros, tomei
chimarrão com uma vizinha fumante e resisti.
Minha rotina inclui remédios agora,
coisa que para mim é novidade. Comecei a tomar um antidepressivo uns dias antes
de parar de fumar e tenho um vidrinho de gotas ansiolíticas que encaro como uma
bengala. Preciso saber que as tenho, mesmo que não use.
Ufa! Dessa me safei! Nunca mais,
nunca mais, nunca mais! Nem uma tragadinha.
RESUMO DE FEVEREIRO
Quem para de
fumar deixa sempre a tarefa para depois das festas de final de ano e para
depois da praia. Eu passei o Natal e o Reveillon fumando, bem ciente de que
eram os últimos estertores do hábito que me acompanhou por tanto tempo.
Cigarro combina
com café, chimarrão, cerveja e cadeiras de abrir, concordas? Quem larga o
cigarro toma a providência de deixar todas essas coisas gostosas também, para
não cair em tentação. Isso eu não fiz. Continuei fazendo tudo como antes, só
não caí na armadilha de comer balinhas, mascar chicletes, tentando substituir
uma coisa pela outra, por isso, no final de fevereiro ainda não havia engordado
nada. Mas o pior estava por vir...
Cadeiras de
abrir, cigarro e praia, combinação perfeita! Enfrentei valente essa bomba como
um desafio que, confesso, temi não conseguir ultrapassar.
Chegamos à orla, instalamo-nos e fomos à praia.
Nordestão a mil, imaginei o trabalho que teria tentando acender um cigarrinho.
Lembrei-me de como a gente faz isso: procura um escudo que pode ser humano,
pode ser o guarda-sol, pode ser a mão em concha e tenta acender o isqueiro uma,
duas, três, quatro vezes, até ficar com o polegar machucado. Aí acenda o dito e
tenta fumar na ventania, tenta! Juro que senti um alívio imenso saber que eu
não teria que passar por isso. Constatei que, ao invés disso, teria que correr
atrás do Théo e da Cecília, meus netos de um e oito anos respectivamente. E
corri e não tive falta de ar; corri e não tive que parar pra descansar; e,
incrível, corri e ri muito, tudo ao mesmo tempo.
Enfrentei
corajosamente muitas cadeiras de abrir, algumas cervejas, muitos cafezinhos e
descobri que era capaz de fazer tudo e sobreviver. Juro que me diverti à larga
e me lembrei do cigarro só umas cinquenta vezes. Ufa!
RESUMO
DO MÊS DE MARÇO
O mês de março
parece ser o início de uma vida normal sem férias sem carnaval e sem muitas
festas. Frequentemente referimo-nos a isso dizendo que agora sim, começou o
ano. Pois foi em março que realmente me senti livre da muleta que me amparou,
ou pensei ser um amparo. Foi quando senti haver jogado fora algo que me
torturou e me fez sentir culpada.
Referi-me
a figura da muleta por que quando viciados, não conseguimos desempenhar a vida
sem recorrer ao que nos vampiriza, ao que nos consome. O prazer que o vício proporciona
é tão efêmero, que nos valemos dele demasiadas vezes. Sabemos perfeitamente o
que estamos fazendo, o que torna inócuo ouvir falar dos malefícios do tabaco e
do que ele está nos causando, a não ser que estejamos frente ao cardiologista,
olhando para chapas de RX.
O
que toca alguém que fuma é saber que daqui a pouco a respiração melhora, que a
pele vai simplesmente clarear, que a presença entre as outras pessoas passa a
ser algo muito mais agradável para todos, que não precisa mais afastar-se por
vergonha, por não querer e não poder incomodar. É muito forte ter que
frequentar fumódromos. É humilhante...
Em
março, conviver passou a ser pura fruição. Tive momentos tranquilos, quando
sentei por longos períodos com amigos, minha neta e meu neto, a família, sem
ter que me afastar deles e ir em busca de cigarros nas sacadas, no meio da
chuva, no isolamento.
A
conquista desse tipo de liberdade é algo que não tem preço. A conquista dos
sabores, cheiros e sutilezas, que passavam desapercebidos pelos meus sentidos,
agora fazem parte da minha vida. O difícil agora é parar de comer e ficar
dentro do razoável, ou pode-se suspeitar de estar começando um novo vício.
– RESUMO DE ABRIL
Abril
foi um mês de intensas atividades. Comemoramos o mês inteiro o aniversário da
Academia Passo-Fundense de Letras que, afinal, estava fazendo 75 anos, além de
todas as outras atividades para dar conta. Correu tudo tão bem, que pensei
passar o mês sem sentir falta de fumar.
Descobri
que nunca podemos nos sentir livres de um vício, principalmente quando acontece
algo inusitado. Em abril sofri um aborrecimento que, à primeira vista, pareceu
importante. Fiquei com muita vontade de fumar, enquanto remoía o que me
incomodava. Creio que consegui conter meu ímpeto, com a ajuda de amigos.
Tive
prova de que devemos falar da nossa insegurança, quando comecei a receber
manifestações de afeto e de apoio. O que me parecia grave, começou a
delinear-se e pude dimensionar o tamanho do que e de quem estava me
incomodando. Voltar a fumar seria como que o aniquilamento da força de vontade
dos últimos meses.
Confesso
que foi um dia difícil, um dos mais difíceis da trajetória de ex-fumante.
Acordar no outro dia e perceber que eu havia conseguido de novo optar por mim,
me fez lembrar de que parar de fumar é uma atitude subjetiva, intransferível e
que sou livre para fumar se quiser. Se
não fumo é por que não quero mesmo.
Agora
tenho internalizado que não fumar é um ato de liberdade e que só as pessoas que
gostam de mim têm direito de abalar as minhas estruturas, para tornar-me mais
forte, mais resistente. E livre.
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE – Resumo
de maio
Em
maio encontrei uma amiga e um amigo que também deixaram de fumar. Ele estava
ótimo, disse que nem sofreu muito, que olhou para os últimos cigarros e disse
que não queria mais. Pronto, não fumou mais! A minha amiga havia engordado
muito, por isso, estava meio deprimida.
Propus-me
a não dar conselhos aos que fumam, por lembrar o quanto isso me incomodava, mas
a minha amiga já havia parado e precisava de uma ajuda para não voltar ao
vício. Falamos sobre comida saudável, sobre beliscar doces, sobre fazer
exercícios físicos. Aí foi que eu não pude ajudar. Sou aquele tipo que não
suporta puxar ferros, erguer pesos, suar em academias e caminhar em nossas ruas
mal cuidadas e passeios perigosos.
O
ganho de peso é um fator fácil de desistência, por isso, conversamos muito,
minha amiga e eu. Vamos as duas procurar alguma modalidade de ginástica, dança,
seja o que for para exercitar o corpo. Concluímos que devemos achar algo com
método, com atividade que nos agrade. Acho que é como comer e coçar...
Tive
a sensação de que os homens largam do cigarro com mais facilidade e não se
importam muito com o ganho de peso. As mulheres detestam engordar e sabem que
demora para emagrecer, a não ser que se tome alguma iniciativa eficaz, mas
voltar a fumar é coisa que está descartada.
Pensando
bem, mesmo mais gordinhas, estamos muito mais felizes e sabemos que podemos
incorporar a essa felicidade as maravilhosas endorfinas que a atividade física
nos proporciona. Vamos lá!
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE
Nos
primeiros quinze dias de junho tivemos de tudo em Passo Fundo. Foram dias
tensos, mas que trouxeram muitas novidades. Já estamos acostumados com a cara
da adversidade, mas não perdemos nossa vocação para promover o bem comum. Vou
procurar elencar o que lembro, para que apreciemos o fato de que o bom superou
o ruim, pelo menos em números.
Tivemos
a destruição de uma vitrine por uma bomba caseira; um bebê de onze meses
colocou uma pedra de crack na boca; índios bloquearam estradas; o preço da
areia para construção subiu; goteiras destruíram documentos do Conselho
Tutelar; câmara autorizou contratação de médicos; houve muitas ações pelo Dia
Mundial do Meio Ambiente; vacinamos contra a pólio; foi desbaratada uma
quadrilha que facilitava emissão de CNH; vendemos horrores para os namorados;
disseram ser possível universalizar o tratamento de esgoto; moradores da
Schisler marcaram os postes sem lâmpadas; contrataram pediatras; começou a
reforma do Lauro Kortz; o Clube Juvenil comemorou 100 anos; interditaram o
Ginásio Teixeirinha; o relógio da Catedral parou; perdemos duas pessoas para o
H1N1 no estado; aterro de Marau teve licença vencida; interditaram uma casa
para idosos. Ufa!
Sem
polyanismo comemoro o saldo positivo e resisto ao datenismo justiceiro com
relação ao negativo. Somos uma cidade
muito parecida com outras, mas é aqui que vivemos e é aqui que queremos ser
felizes. Só podemos agir aqui e agora, sem perder o que nos rodeia de vista.
Proponho
um brinde de água fresca pela primeira quinzena de junho e pelos cinco meses
que não fumo. Pela primeira vez faço uma retrospectiva respirando bem.
DIÁRIO DE UMA
EX-FUMANTE
Parar de fumar é motivo de alegria,
mas nem sempre a primeira tentativa, nem a segunda e, creia, nem a terceira é
bem sucedida.
É necessário que se fale sobre
recaídas, por serem elas que frustram não só a quem parou de fumar, mas à
família e amigos. No caso de termos filhos é visível a decepção.
É avassalador ver a reação das
pessoas, quando nos pegam fumando de novo. Das vezes que parei de fumar a
decepção dos meus foi causa de um enorme sofrimento.
Agora já sei de algumas coisas, que
podem ajudar a quem quer parar de fumar e para os que acompanham o ato de
heroísmo. Por exemplo:
. Não é um problema de caráter se você volta a
fumar. Você só não conseguiu ainda.
. Parar de fumar é um problema seu e voltar a
fumar também.
. Cada vez que você para, você tem mais
experiência, portanto, muito mais chances de deixar o hábito de vez.
. Não caia na armadilha de fumar escondido,
por que, além de você estar se poluindo e acabando com a sua saúde, sentirá um
enorme mal estar por estar mentindo.
. Comece a pensar com seriedade, de novo em
como você quer estar bem, ter paladar, acabar com o vampiro que suga sua
autoestima e sua saúde. Passe de novo uma noite toda em claro, só pensando
nisso.
. Tome uma decisão e experimente não contar a
ninguém. É maravilhoso o gostinho de ter um segredo tão importante com você
mesmo (a). Coragem, vale muito a pena!
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE
A
decisão de parar de fumar, geralmente, vem de dentro de um consultório médico,
quando estamos estabelecendo uma relação de confiança e não de cobrança e de
medo. Reputo este momento como um dos mais importantes, por iniciar-se uma
relação médico-paciente fundamental para alcançar o objetivo, tanto de um,
quanto de outro.
Muitas
vezes eu não voltei ao consultório por medo de ter que fazer exames e encontrar
“alguma coisa”, por que “quem procura, acha”. Neste momento, tudo depende da
sensibilidade do profissional, pois pedir o tal RX do tórax, algumas vezes não
deve acontecer na primeira abordagem. Eu fiz RXs que deixei nas clínicas sem
coragem de buscá-los.
Quando
encontramos um médico sensível, somos capazes de querer realmente parar de
fumar por ainda não termos sintomas de males maiores, sendo este o melhor
momento. No caso de já estarmos doentes, devemos ouvir que, mesmo
comprometidos, precisamos de ajuda para recuperar a saúde. O olhar
tranquilizador e a confiança que se estabelece neste momento, são a pedra
fundamental para se começar algo tão difícil.
Ninguém
pense que o remédio, caso seja receitado, seja capaz da façanha de determinar a
cessação de um vício. Ninguém pense que está se iniciando um processo fácil. O
que eu vivi nos primeiros dias é indescritível, mas ultrapassá-los foi um ato
que trouxe junto uma sensação de respeito próprio, também indescritível. Tenho
certeza de que o meu cardiologista tem uma parcela enorme de mérito no processo
de parar de fumar. Senti que o pedido partia de um ser humano para outro, em
uma incrível troca de emoção e empatia, o que foi fundamental.
Portanto,
quem quer parar de fumar deve procurar um médico em quem confie e, se não
encontrar a empatia necessária, procure outro. Há um protocolo de ação contra o
tabagismo, que é conhecido pelos médicos, inclusive na rede pública.
Coragem,
você vai precisar de muita! E um abraço solidário de quem torce por você.
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE
A
legislação brasileira proíbe a exposição de crianças e adolescentes ao cigarro,e
ao álcool, as drogas mais comuns. O país dispõe da Lei Federal 8.069/1990, que
proíbe a venda de cigarros a eles, mas nossas crianças e adolescentes não
encontram dificuldades para adquirir o produto.
Além
da oferta escancarada e da falta de fiscalização, nossos filhos convivem
excessivamente com pessoas que fumam. O número de fumantes ainda é grande e
fuma-se cada vez mais cedo.
Eu
sofro o remorso de haver mostrado aos meus filhos algo tão prejudicial. Lembro
das inúmeras vezes em que, envergonhada, procurei desculpas para não atender ao
pedido das crianças para que eu não fumasse.
Tenho
um filho que fuma, pelo que me penitencio, mas sei que chegará a hora dele de
encarar a necessidade de deixar o tabagismo. Sinto que a minha decisão de parar
está ajudando para que tenha a coragem necessária para tomar a decisão dele.
Devo
agradecer à escola onde meus filhos estudaram, pelas atividades de valorização
da vida que desenvolveram com eles, o que teve um peso enorme para que
escolhessem ser saudáveis. A escola é a grande aliada dos pais na tarefa de
educar e de cuidar. Quando a escola tem boas políticas, professores marcantes e
olhar atento, nossa tarefa de educadores é potencializada.
Dei
um tremendo mau exemplo às minhas crianças, mas sei que não o fiz por falta de
caráter, mas por fatores difíceis de contornar. Vejo-os orgulhosos de mim e
muito mais tranquilos com relação à minha saúde. Há alguns anos assistiram ao
pai fazer o mesmo, sem que eu o acompanhasse. Teria sido muito mais fácil se
tivéssemos parado juntos.
Não
vou perder meu tempo com lamentações, por que não é disso que a minha família
precisa, por que, espero, não tenha parado tarde demais. O tempo dirá!
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE
Tive
a oportunidade de conversar esta semana com uma mulher que admiro. O facebook
foi o veículo usado para um bate-papo alegre e cheio de significado. Tudo
começou com uma pergunta dela: “Você engordou quantos quilos?”. Compreendi que
ela estava falando da minha abstinência de cigarro.
Respondi
que devo ter engordado um ou dois quilos e fiz um arrazoado das medidas que
usei para não engordar. Ela contou que não fuma há dois meses, faz tudo
certinho, come de três em três horas só coisas saudáveis e... engordou. Aí
compreendi que as coisas funcionam diferente de uma pessoa para outra. Minha
tese é boa, mas não infalível.
Sem
grandes e preocupações com o peso, mas ocupada com a saúde, contou-me a grande
novidade, aquela que está movimentando a sua vida. Além de não fumar: ela está
correndo, e adora fazer isto! E faz musculação! Fiquei claramente com pena de
mim, que ainda não comecei nada disso, mesmo sabendo que preciso muito. A lei
da gravidade nunca se mostrou tão evidente como depois dos sessenta e tantos...
Ela
não poupou comentários de como se sente bem e disse ser MARAVILHOSO correr. A uma
altura da conversa convidou-me para correr com ela, e mais, disse que me leva
pela mão, numa clara manifestação de carinho e espontaneidade. Tive a sensação
de ver as endorfinas da minha amiga falando comigo.
Como
era de esperar, dei um jeito de me sabotar, coisa que sempre faço quando se
trata do quesito exercício físico. Mas, acho que tenho conserto. Acredito em
mim. Vou conseguir. Se consigo não fumar, consigo qualquer coisa. Minha amiga
terá companhia! Um dia... A lei da gravidade é inexorável! Putz!
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE
Fomos
almoçar na casa da minha filha, quando fiz um comentário acerca da água mineral
que estava sendo servida: “Esta água tem muito sal?”. Minha filha e meu genro
olharam-se e sorriram. Perguntei o porquê do riso e minha filha respondeu:
“Você sempre se preocupou com a qualidade da alimentação, mas fumava o dia
todo.”. Fiquei ali, parada e quase derrubei a água.
Dei
razão a ela. Tivemos uma família grande o Domingos e eu. Primamos por nunca
faltar nada de que eles precisassem para que fossem saudáveis. Conto até hoje
que, porcarias tinham hora e dia. As lancheiras iam à escola com sucos, frutas
e pão. Essa filha do sorrisinho era quem mais reclamava das maçãs que comia no
recreio.
Meus
filhos nunca demonstraram que me achassem incoerente, todavia , lembro que cada
um a seu tempo, me pediu para não fumar mais. É claro que passei muitas horas
da vida arquitetando estratégias que contemplassem o que os filhos esperavam de
mim, mas, aproveitava cada revés, cada alegria, cada festa para adiar o
projeto. Tudo era motivo para fumar. Eu pensava até que, devido a trabalheira
que a família demandava, eu merecia parar de vez em quando para uma tragadinha.
Eu
aguento as risadinhas dos meus queridos, por que, agora sei a dimensão da
preocupação deles por mim. Agora vi a felicidade deles e a forma como
acompanharam o processo de desintoxicação pelo qual passei. O carinho que veio
dos filhos foi o fator mais forte de perseverança.
Será
que um dia a imagem de mãe fumante se apagará da memória dos meus filhos? Acho
que não! Mas isso não é o mais importante. O mais importante é , agora, dar um
exemplo de tenacidade e mostrar que, apesar dos estragos, vale a pena cuidar de
verdade da saúde.
Antes
que me esqueça, comecei a caminhar, tá? Podem cobrar mais atividades físicas
daqui pra frente.
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE
Lembro-me
de sempre ter cantado na minha vida. Quando pequena como aluna de colégio de
freiras, cantávamos em sala de aula, na igreja, em eventos cívicos.
Quando
adolescente cantei por um tempo em um coral quando soube que eu tinha uma voz
boa, acho que era soprano, ou não tanto. Mas eu cantava “fininho”. Minha voz
era clara e alcançava muito bem notas altas.
O
sentimento de amor à pátria é algo forte em minha trajetória, coisa trabalhada
e estimulada por parte da escola, tanto da católica, quanto da metodista, as
quais frequentei. Cantávamos o Hino Nacional com emoção, com lágrimas nos
olhos, coração batendo forte. Esse sentimento me acompanhou até aqui. Agreguei
à minha emoção, o Hino do Rio Grande do Sul, cuja entoação é obrigatória em
atos públicos.
O
diferente nisso tudo, é que, com o passar dos anos, não cantei mais “fininho”,
perdi a capacidade. Lembro de ter que mudar o tom para um mais baixo, tamanha
era a dificuldade com as notas altas. Frequentemente, conforme o esforço, a
garganta coçava e a tosse era inevitável.
No
dia primeiro deste mês, participando de um ato cívico pela Semana do Município,
supreendi-me cantando como antigamente.
A voz saía clara e sem ameaças de coceira e tosse. Aí eu soube. É claro
que recuperei a voz, ora! Parei de fumar e isso liberou minhas cordas vocais de
tanta sujeira e cansaço. É claro que minha voz estava cansada.
Pois
eu cantei bem alto, satisfeita por reconhecer a voz que é minha. Ela pode não
ser linda, mas é minha e quero continuar ouvindo-a sem estragos desnecessários.
Uma
coisa continua sem mudanças, que é meu espírito cívico, meu amor ao Brasil.
Frequentemente minha voz fica embargada, mas é de emoção, o que é normal e
perfeitamente saudável.
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE
Nasceu
Vicente, nosso netinho. Ele é o terceiro, depois de Cecília e de Théo. Como das
outras vezes, o fato de ser avó causou-me uma emoção capaz de me fazer passar o
dia todo com lágrimas nos olhos. Não economizei nenhum sentimento que apareceu
junto com o nosso bebê. Quando fico assim, valho-me dos livros para dar uma
equilibrada.
Fui
procurar um texto de que gosto muito, que fala sobre a relação dos velhos com
as crianças. Trata-se de Elogio da Loucura de Erasmo de Rotterdam, escrito em
1523. No livro quem fala é a loucura e ela fala assim: “...os velhos apreciam muito a companhia das crianças, e as crianças
a companhia dos velhos; pois os deuses gostam de unir os semelhantes. De fato,
se excetuarmos as rugas e o número de anos, próprios da velhice, há dois seres
que se assemelhem mais que o velho e a criança? Ambos têm cabelos escassos, uma
boca sem dentes, um corpo raquítico, gostam de leite, gaguejam, tagarelam; a
tolice, o esquecimento, a indiscrição, tudo contribui para formar entre essas
duas criaturas uma semelhança perfeita.”
Tirando a
falta de dentes e o corpo raquítico, entendo o que a loucura quer dizer. É no
exercício da velhice que aprendo a ser velha e melhor se em companhia de
crianças. O que seria de mim se tivesse que pensar o dia todo sobre a seriedade
da vida? Como seria a minha vida se não ficasse horas ouvindo os bebês falando
errado, repetindo e repetindo o que eles falam, mesmo sem saber o que querem
dizer? Definitivamente, a convivência com as crianças permite que a gente
esqueça a proximidade da morte e isso Erasmo enfatiza no livro de forma
hilariante. Acredito que a leveza deve acompanhar-nos quando somos avós.
Uma coisa deveria ser garantida aos avós e ser
afixada nas paredes, como no aviso de não fumar: “É proibido chamar a atenção
dos bebês quando falam errado. Só é permitido corrigi-los quando tiverem cinco
anos.”
Bom,
resgatado o trecho do livro que tanto amo, preciso resgatar também a lembrança
de que posso ficar horas e horas com Vicente no colo; de que a minha roupa
sempre estará em condições de pegar um bebezinho; de que não preciso mais
carregar chicletes na bolsa, afinal, eu agora não fumo mais. Dei-me conta agora
de que passo dias sem lembrar de que o cigarro existe. Sou uma avó louca, mas
muito cheirosa!
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE
Olhar
para o chão da nossa cidade é coisa desagradável. O que é grande, vemos com
facilidade, mas o pequeno, às vezes, é mais desagradável de ver. Refiro-me ao
chiclete grudado nas calçadas. Que coisa mais horrível! Eu odeio isso há muito
tempo. Assim como você já tentei desgrudar essa coisa dos sapatos mais de uma
vez.
Convido-o
(a) a olhar para baixo. Esquece das
péssimas calçadas, mas olhe as manchas de chiclete que encontramos em profusão.
Feio, não é?
Em
Singapura largar chiclete na rua é motivo para levar chibatadas e cobrança de
multa, sem falar que a venda dele só é permitida em farmácias, contra a
assinatura de um termo de compromisso de descartá-lo de forma adequada. Isso é
civilização! (Esquece que é autoritário, por que quem impõe sua sujeira aos
outros, também é autoritário).O dinheiro arrecadado para limpeza da cidade, ao
invés de pagar quem limpe chicle grudado na rua, é usado para plantar flores e
enfeitar a cidade.
Tenho,
portanto, aversão por chiclete grudado no chão, mesmo que adore mascar essa
coisa gosmenta que não sei de onde sai. Os sabores artificiais são muito
gostosos, ou não mereceriam tanta pesquisa e propaganda. Viramos reféns desses
sabores e é tarefa heroica nos desvencilharmos deles.
Quando
fico indignada, costumo pensar, que todos contribuímos de alguma forma, para
que a situação que me deixa furiosa seja construída. No caso da sujeira da
cidade, ocorreu-me que nunca joguei chiclete em qualquer lugar, nem permiti que
meus filhos jogassem, mas, devo fazer um enfático mea culpa, por que joguei
algo bem mais nojento por aí. Já
desrespeitei toda a comunidade.
Joguei
bitucas de cigarro durante anos por todos os lugares, pelo que peço desculpas. Se
eu vivesse no Rio de Janeiro hoje e ainda fumasse, pagaria mais de cem reais
por cada bituca de cigarro abandonada. Putz! Como já fui inconsequente!
Conheci
uma escola onde o pátio é um mosaico de chicletes de várias cores, a maioria
preta de sujeira. Enxerguei a escola como terra de ninguém, onde cada um faz o
que quer, sem que haja o mínimo de urbanidade. Aliás, quando estudei no Notre
Dame, urbanidade era motivo de nota no boletim. A categoria mostrava como nos
comportávamos em ambiente coletivo.
Que
tal se alguém nos desse uma nota pelo nosso comportamento coletivo? E se a
avaliação fosse feita quando ninguém estivesse olhando? Já estou batendo no
peito...
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE
Sinto-me
ainda no clima da Jornada Nacional de Literatura. Dentre muitas atividades de
que participei, uma das mais emocionantes e significativas foi o lançamento do
livro O Imortal Moacyr Scliar, com trabalhos selecionados no V Concurso
Literário da Academia Passo-Fundense de Letras. O trabalho foi coordenado pelas
acadêmicas Dilse Piccin Corteze e Elisabeth Souza Ferreira.
Compareceram
ao lançamento os estudantes que escreveram resenhas, biografias, textos
criativos e poemas sobre Moacyr Scliar, assim como as professoras que
impulsionaram seus alunos e, principalmente, pais. Esses sempre me inspiram!
Pelo
jeito feliz daqueles pais em olhar seus filhos recebendo menções honrosas,
subindo ao palco do Café Literário e depois autografando os livros que eles
produziram, podia-se perceber que eram pais especiais. Em minha trajetória de
voluntária da Escola de Pais do Brasil, pude conhecer aqueles que educam para a
emancipação. E alguns deles estavam lá, aplaudindo seus adolescentes lindos.
Filhos
educados com muitos aplausos e poucas críticas são mais seguros e felizes. Não
temem mostrar as coisas que fazem por que são encorajados por adultos que não
só os amam, mas são inteligentes. E inteligência independe de quantos anos se frequenta
a escola. Os pais inteligentes empurram pra frente e confiam.
Quando
tudo acabou percebi que estava em um lugar mágico. A Jornada é feita de lonas,
de pavilhões. No entorno havia banheiros químicos e no Portal das Linguagens,
banheiros convencionais. Esses eu nunca encontrei sujos, juro! Colocaram muitas
lixeiras em todos os lugares, que foram usadas, não à perfeição, mas de maneira
satisfatória e encontrei pouquíssimos toquinhos de cigarros no chão.
Estamos
ou não estamos evoluindo? Estamos cuidando melhor de tudo, não só do que é
nosso. Parabéns para a Literatura que foi a rainha da semana e parabéns para
nós que a reverenciamos.
DIÁRIO DE UMA EX-FUMANTE
Há
assuntos que vêm à baila e que mexem conosco. Hoje no Fantástico trouxeram o
projeto de lei que ainda dorme em algum lugar do senado e que se chama Lei da
Palmada. Já discuti este projeto em várias instâncias e sei que nem de longe é
unanimidade.
Ao
ouvir o povo a respeito da palmada lembrei de que há alguns anos era comum
fumar em qualquer ambiente. Tínhamos professores fumantes, colegas fumantes e, apesar de desagradável, não era
estranho o fato de fumarem em aula. Lembro que nunca fui proibida de fumar em
qualquer emprego que tive. Foi
necessário que se fizessem leis para que acabasse a farra do cigarro em lugares fechados.
A
proibição ao cigarro foi contestada, argumentou-se que a lei feria a liberdade
individual, o direito de exercer uma atividade que não causa alucinação, nem
diminuição de capacidades físicas. Pensou-se na época que a lei não “pegaria”.
Ela foi taxada de desnecessária e autoritária.
Há
vinte anos, em todos os lugares havia avisos de Proibido Fumar. Hoje podemos
até nem ver aviso algum, mas incorporamos à nossa vida o que a lei trouxe para
mudar nossos hábitos e nossos conceitos sobre o assunto e vivemos agora com
muito mais limpeza, pelo menos no ar, por que o chão em alguns lugares é um
horror.
Com
a lei da palmada, penso, acontecerá a mesma coisa. A punição física é
perniciosa, ela fere o que uma pessoa tem de mais caro que é sua integridade
física e moral, costuma descambar para a pancadaria e não faz bem nem para quem
bate, nem para quem apanha.
Espero
que daqui a alguns anos a gente possa contar às pessoas que lá por dois mil e
treze as pessoas ainda batiam em crianças e, pior, com o intuito de educa-las.
Espero que as pessoas sabedoras desse fato fiquem muito horrorizadas e não haja
mais necessidade de que conselhos tutelares interferiram no direito que cada
família tem à privacidade.
Sei
que é polêmico o que estou trazendo, mas acredito que há leis civilizatórias e
necessárias quando não conseguimos evoluir sem um empurrãozinho.