quinta-feira, 9 de agosto de 2012


Meu pai
                Ele era homem das antigas, não de atitudes antigas, mas das lides antigas. Era um alfaiate de mão cheia, daqueles perfeitos, daqueles que desmanchavam cada pontinho fora do lugar. As fatiotas, no começo das lides, eram passadas a ferro de brasa. E era um tal de: suspende casaco, coloca travesseirinho de retalhos por baixo, assopra as brasas do ferro, coloca paninho úmido por cima e lá se iam todas as ruguinhas  do linho, do gabardine, da lã, e, muito tempo depois, do tergal. Aliás, não tenho certeza de vê-lo usar tergal.
                Ele ia a festas, mas sempre atrasado por causa das fatiotas que devia entregar, frequentava o clube, mas só à tarde, quando o cansaço batia e aí era a hora da cervejinha, do bate-papo, do pontinho. A alfaiataria grudada a casa permitia que meu pai sempre estivesse à mão e como eu o procurava... Ele era mestre em dedos cortados, nos quais colocava uma generosa camada de pomada penicilina, um bom pedaço de pano branco que vinha de uma gaveta da cozinha - o que garantia a limpeza necessária, para depois amarrar tudo com linha, que ele enrolava exaustivamente, mas sem apertar. No dia seguinte, milagre! O dedo estava limpinho e quase bom.
                Ele era homem das antigas com atitudes sempre de vanguarda. Viajava para Porto Alegre e trazia novidades, a exemplo de uma enorme quantidade de mamão, que imediatamente odiei, mais pelo aspecto do que pelo gosto e que ele, explicava, seria coisa muito chique consumir, já que o encontrara no café da manhã do hotel. Foi de lá que ele trouxe o primeiro exemplar de “O Cruzeiro”, uma revista mensal que era a coqueluche da época nas grandes capitais. Pois o Seu Elmo fez a assinatura da revista para acompanhar o que acontecia na Argentina com Perón e no Brasil com Getúlio. A maior novidade e a mais apreciada por mim era o chocolate granulado, coisa muito linda e cheirosa que figurava nos ninhos de Páscoa, junto com um enorme coração de açúcar todo enfeitado de florzinhas.
                O Seu Elmo, meu pai, era homem de pegar bebê no colo, de ajudar a trocar, de atender de madrugada, sim senhor! Era homem também de ficar apreensivo com os enjoos intermináveis das tantas gestações da minha mãe. Não se furtava de ir pra cozinha preparar comida, café da manhã, quando a gente podia abusar da manteiga, dos nacos de salame, coisa que minha mãe cuidava de não haver abusos. Ele era assim, generoso. E alegre...
                O Ford 29 dele era usado para passear, não só para o trabalho. Na estrada ficávamos sem luz e imediatamente aquele pai começava a conversar animado e a assoviar não me lembro que tipo de música, mas era música de tranquilizar, disso eu tenho certeza.
                Ele tinha grandes preocupações quanto à formação dos filhos, por isso, nunca abriu mão de um bom colégio de freiras para todos, sempre fiscalizou as revistas Grande Hotel que líamos escondido e tinha preocupação com respeito às novelas de rádio que ouvíamos junto com a Dona Lina, minha mãe.
                Mas o meu pai nunca se esquivou de uma conversa, sempre respondeu a minhas perguntas, mesmo as constrangedoras e, na véspera do meu casamento, chamou-me à parte e disse coisas que nunca contei a ninguém, para não estragar a magia. As palavras dele embalam o meu casamento e servem até hoje quando quero ter uma conversa de vanguarda com os meus filhos.
                Meu pai era de épocas antigas, mas ele seria um grande pai de hoje, por que ele era movido pela alegria e pelo amor imenso que nutria pela família. Esse amor ele externou sem preguiça, com barulho, com risos e cuidados.
                Feliz Dia dos Pais, Seu Elmo, meu pai! Gostaria que ainda estivesses aqui para me ensinar algumas coisas que não tivemos tempo de conversar.

2 comentários:

nilse disse...

também tenho muita saudade do meu pai, lembro do tio Elmo quando moramos ai em Passo Fundo. E olha em uma das vezes que meu pai foi visitar a vó Guilhermina ele me trouxe uma revista o cruzeiro, imagine como fiquei feliz. bjs

Sueli disse...

Temos que conviver com a perda, não tem jeito, mas se temos tantas lembranças boas, ficamos bem, não é? Obrigada pelo comentário. Bjs