Meu pai
Ele
era homem das antigas, não de atitudes antigas, mas das lides antigas. Era um
alfaiate de mão cheia, daqueles perfeitos, daqueles que desmanchavam cada
pontinho fora do lugar. As fatiotas, no começo das lides, eram passadas a ferro
de brasa. E era um tal de: suspende casaco, coloca travesseirinho de retalhos
por baixo, assopra as brasas do ferro, coloca paninho úmido por cima e lá se
iam todas as ruguinhas do linho, do
gabardine, da lã, e, muito tempo depois, do tergal. Aliás, não tenho certeza de
vê-lo usar tergal.
Ele
ia a festas, mas sempre atrasado por causa das fatiotas que devia entregar,
frequentava o clube, mas só à tarde, quando o cansaço batia e aí era a hora da
cervejinha, do bate-papo, do pontinho. A alfaiataria grudada a casa permitia
que meu pai sempre estivesse à mão e como eu o procurava... Ele era mestre em
dedos cortados, nos quais colocava uma generosa camada de pomada penicilina, um
bom pedaço de pano branco que vinha de uma gaveta da cozinha - o que garantia a
limpeza necessária, para depois amarrar tudo com linha, que ele enrolava exaustivamente,
mas sem apertar. No dia seguinte, milagre! O dedo estava limpinho e quase bom.
Ele
era homem das antigas com atitudes sempre de vanguarda. Viajava para Porto
Alegre e trazia novidades, a exemplo de uma enorme quantidade de mamão, que
imediatamente odiei, mais pelo aspecto do que pelo gosto e que ele, explicava,
seria coisa muito chique consumir, já que o encontrara no café da manhã do
hotel. Foi de lá que ele trouxe o primeiro exemplar de “O Cruzeiro”, uma
revista mensal que era a coqueluche da época nas grandes capitais. Pois o Seu
Elmo fez a assinatura da revista para acompanhar o que acontecia na Argentina
com Perón e no Brasil com Getúlio. A maior novidade e a mais apreciada por mim
era o chocolate granulado, coisa muito linda e cheirosa que figurava nos ninhos
de Páscoa, junto com um enorme coração de açúcar todo enfeitado de florzinhas.
O
Seu Elmo, meu pai, era homem de pegar bebê no colo, de ajudar a trocar, de
atender de madrugada, sim senhor! Era homem também de ficar apreensivo com os
enjoos intermináveis das tantas gestações da minha mãe. Não se furtava de ir
pra cozinha preparar comida, café da manhã, quando a gente podia abusar da
manteiga, dos nacos de salame, coisa que minha mãe cuidava de não haver abusos.
Ele era assim, generoso. E alegre...
O
Ford 29 dele era usado para passear, não só para o trabalho. Na estrada ficávamos
sem luz e imediatamente aquele pai começava a conversar animado e a assoviar
não me lembro que tipo de música, mas era música de tranquilizar, disso eu tenho
certeza.
Ele
tinha grandes preocupações quanto à formação dos filhos, por isso, nunca abriu
mão de um bom colégio de freiras para todos, sempre fiscalizou as revistas
Grande Hotel que líamos escondido e tinha preocupação com respeito às novelas
de rádio que ouvíamos junto com a Dona Lina, minha mãe.
Mas
o meu pai nunca se esquivou de uma conversa, sempre respondeu a minhas
perguntas, mesmo as constrangedoras e, na véspera do meu casamento, chamou-me à
parte e disse coisas que nunca contei a ninguém, para não estragar a magia. As
palavras dele embalam o meu casamento e servem até hoje quando quero ter uma
conversa de vanguarda com os meus filhos.
Meu
pai era de épocas antigas, mas ele seria um grande pai de hoje, por que ele era
movido pela alegria e pelo amor imenso que nutria pela família. Esse amor ele
externou sem preguiça, com barulho, com risos e cuidados.
Feliz
Dia dos Pais, Seu Elmo, meu pai! Gostaria que ainda estivesses aqui para me
ensinar algumas coisas que não tivemos tempo de conversar.
2 comentários:
também tenho muita saudade do meu pai, lembro do tio Elmo quando moramos ai em Passo Fundo. E olha em uma das vezes que meu pai foi visitar a vó Guilhermina ele me trouxe uma revista o cruzeiro, imagine como fiquei feliz. bjs
Temos que conviver com a perda, não tem jeito, mas se temos tantas lembranças boas, ficamos bem, não é? Obrigada pelo comentário. Bjs
Postar um comentário