sábado, 10 de janeiro de 2009

LEMBRANÇAS DE AVÓ




Lembro de mim, sentada na varanda, no chão, bem em frente à minha avó. Ela lá sentada, trançando o cabelo, contando coisas da sua vida. E eu escutava. Fazia um calorão de matar, um barulho ensurdecedor de cigarras e ela falava com calma sobre Jacobina, heroína, mito, a “cristo mulher” dos alemães da região de Sapiranga.
Consegui entender na íntegra suas histórias lendo Videiras de Cristal de Assis Brasil. Entendi o ar de mistério e a solenidade com que as histórias iam se desenrolando, contadas por aquela senhora tão bonita e comumente tão silenciosa.
Silencioso mesmo era meu avô. Sisudo, um típico alemão, pouco dado a intimidades. Não lembro de um abraço sequer, um beijo que viesse da parte dele. Lembro do desespero dos filhos e da minha avó no dia em que ele morreu. Não entendi muito bem a razão de tanto afeto já que nunca vi nenhuma exteriorização de amor de parte de ninguém. Hoje entendo também, que mesmo não demonstrado, havia o carinho que eles sabiam dar, assim, seco.
O que sei hoje é que tudo o que ouvi, tudo o que vi naquela varanda me deu suporte para levar minha vida. Saber-me parte de uma cultura, de uma família, de um clã, deve ter calado fundo e influenciado a forma como encaro as coisas, como reajo e como me posiciono frente aos desafios que a vida apresenta.
Sei que não terei tardes inteiras para sentar com a Cecília. Sei que a correria de hoje não permitirá que a situação se repita. Espero conseguir alguns momentos de calma com ela, para que eu conte coisas da minha vida, coisas que aconteceram com minha familia, para que ela se sinta integrante de algo. Sei que ouvirá muitas histórias. Tenho concorrentes fortes pelo fato de ela ter uma outra avó, avô materno, avô paterno, mãe, pai e uma infinidade de tios e tias. O que não vou permitir é que ela perca a oportunidade de sentar comigo e levar para a vida o fato de termos trocado momentos de preguiça, de conversa bem calma, de ver que há por trás dela uma tradição, uma cultura, um passado.
Acredito que a vida de verdade é feita de coisas bem simples. O que levamos dela não é nada complicado. Se procurarmos nos nossos baús, o que sobrou de mais caro são os bolos, os biscoitos, os cheiros e as confidências. É do prosaico que sentimos falta.
As crianças não podem crescer sem ouvir nossas histórias. Mesmo as crianças que vivem em instituições precisam de referências do passado para que consigam se estruturar. Devem poder levar consigo os objetos, as fotos e as lembranças do seu passado para que, em cima de tudo, possam construir uma outra história.
Tomara que as agendas, a minha e a da Cecília, não estejam lotadas de compromissos “inadiáveis” para que nossa intimidade possa se estabelecer. Já planejei onde colocar minha cadeira de contar histórias. Ela provavelmente quererá sentar-se no chão.
Publicado no jornal Diário da Manhã em 21/01/2009

8 comentários:

Adriana Gehlen disse...

nunca ouvi muito historia de vô ou vó.
mas jamais esqueço as que meu pai conta, e claro, as comidas boas de vó.
a birra dos avôs, a grosseria mesmo sem querer. no final, tudo é bom.

Sueli disse...

É mesmo Adriana, nós sabemos que o trajeto é duro, mas a chegada é boa. Obrigada

Anônimo disse...

Texto liiindo! sensível, que faz com que inúmeras recordações inundem o pensamento por instantes. Lindo mesmo. E ó, também acredito que a ceci prefira sentar-se no chão. hehehehe


beijos beijos

Sueli disse...

Obrigada Rocheli. Por enquanto ela ela quer ouvir histórias fantasiosas, mas sei que breve, sentirá gosto em saber dos seus. Beijo

Unknown disse...

Querida irmã, lindo texto. Eu mesma nunca tive contato com nosso avô mas lembro nitidamente daquela noite fria em que nossa mãe chorava muito e que viajamos para o interior para enterra-lo....
Vais curtir muito ainda a Cecilia. bjos.

Sueli disse...

Quero ver se consigo ser alguém forte na vida da Cecília, mas de uma forma positiva, para que ela se veja integrante de uma cultura. Acho isso muito importante. Nossa avó materna conseguiu isso comigo, apesar de ser tão simples e quietinha. Obrigada pelo comentário.

Anônimo disse...

Nossa avó era mesmo um a mulher muio bonita . lembro-me dela quando foi nos visitar perto de tres Palmeiras. Outra vez fui com meu pai vê-la na casa da tia Lina aí em Passo Fundo ela já estava doente.

Sueli disse...

Sim, Nilse, lembro de tudo e é bom lembrar, não? Acho que ela pode ser uma ponte de aproximação entre nós. Fico feliz com isso. Bjs e obrigada pelo comentário. Espero não estar enganada, mas acho que é você, sim!