quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Minha mãe


Tenho sérias reservas quanto a minha capacidade de falar sobre minha mãe, pois abomino toda a forma de pieguice e, em se tratando de mãe, cai-se facilmente nesta armadilha.

Hoje, longe o suficiente dos anos em que me dediquei em cuidar dela, posso falar sem o calor da paixão da época, motivo pelo qual, aventuro-me na empreitada de fazer uma análise dessa mulher que me gerou e que gerou minhas três irmãs e meu irmão.

Gostaria de simplificar bastante para conseguir definir com poucas palavras, o que ela representou para mim e para seu mundo: ela representou e ainda representa um gigantesco poder de superação. Ela fez escolhas que foram determinantes para que tivéssemos um exemplo do que seja ser rico. Nunca tivemos dinheiro, mas ela escolheu ser rica, o que parece ser um paradoxo. Mas eu explico: ela escolheu ser rica de bom gosto, de capricho para que tudo fosse lindo, embora modesto. Criamo-nos comendo a melhor comida, pois preparada com esmero, mesmo que fosse um ensopadinho de chuchú contido em uma bonita tigela fumegante e toda salpicada de tempero verde. Entende o que quero dizer? Tudo era lindo, rico e caprichado; criamo-nos vestindo as melhores roupas, engomadas e muito bem costuradas por ela, o que causava impacto em quem não conseguia entender o milagre; criamo-nos em belas casas, caprichosamente arrumadas, com camas cobertas por colchas brancas de piquê, onde não podíamos sentar durante o dia, para que permanecessem esticadas e limpas; criamo-nos nos sentindo as pessoas mais importantes do mundo, por que isso era incansavelmente dito por ela; criamo-nos os filhos mais amados do mundo, por que sentíamos isso da parte dela, mesmo que nunca dito com todas as letras; criamo-nos acreditando que ela escolhera o melhor homem do mundo para ser nosso pai, tal era a forma elogiosa com que nos contava da sua escolha.

Essa mulher que foi e é minha mãe, ficou comigo nos últimos anos da sua vida, de forma estreita e inexorável. Convivemos na fase em que ela se tornou doce, ao contrário das nossas expectativas, dado ao grande sofrimento a que foi submetida, devido à asma severa e interminável da qual foi vítima. Vou lançar mão de um lugar comum ao dizer que ela fez como o vinho, que, com o tempo, ou azeda ou apura. Ela apurou seu comportamento e viveu intensamente sua vida conosco. Respeitou profundamente nosso estilo de vida, assim como respeitou e amou o Domingos, seu genro, com quem teve uma convivência alegre até o fim. Amou sobretudo seus netos, com os quais teve uma convivência marcada pela cumplicidade, desculpando todas, mas todas as falhas que porventura cometessem.

Eu gostaria de mudar algumas coisas, caso me fosse concedido voltar no tempo: eu não iria brigar com ela para que se cuidasse tanto, já que adiantou tão pouco; eu não a obrigaria a ficar tantos dias de cama para curar uma úlcera, já que ela sempre voltou; eu não lhe daria tantos remédios, já que nunca consegui amenizar seu sofrimento; eu teria começado antes, muito antes, a impor a ela meus abraços e beijos, mesmo que constrangidos no começo, para que superássemos antes a educação alemã, avessa às exteriorizações de afeto, que tanto me fizeram falta, e, tenho certeza, a ela também.

Posso dizer que tive uma mãe de verdade, não uma mãe perfeita. Posso dizer que cuidei dela com desvelo e carinho, não com perfeição. Posso dizer que ela foi feliz conosco e disso tenho certeza absoluta, mesmo que com algumas falhas por parte de todos.

E eu tenho muita saudade dela. Não lembro de nada que tenha me feito sofrer tanto, como quando tive que abrir mão dela para sempre. Consolo-me ao pensar que ela está se agigantando dentro de mim, sem pieguice, mas com a consistência de saber que nossa relação aconteceu da forma como devia ter sido, sem que fugíssemos de nenhum conflito e de nenhuma responsabilidade.

5 comentários:

Unknown disse...

Simplismente lindo!!
Eu que tive o privilégio de conhecer e conviver com a "Dona Lina" sei perfeitamente do que estás falando...
Emocionante...chorei..
Grande bjo para vc

Sueli disse...

És uma das pessoas, assim como sua mãe Avani, que sempre estiveram do meu lado em qualquer circunstância. A Avani assistiu coisas muito fortes acontecendo aqui em casa e nela encontrei, muitas vezes, o apoio e o estímulo de que precisava. Serei eternamente grata pelas vezes em que ela "tocou", não só o corpo, mas a alma da Dona Lina. Beijos Cláudia

Unknown disse...

Esta mãe, mulher, que nos deu a oportunidade da reencarnação e que nos deu a mim e a meus irmãos, amor, educação, disciplina, inteligencia, e principalmente principios morais, o fez tenho certeza conforme a sua programação cármica, na ocasião em que nos escolheu para que pudessemos retornar e ter a oportunidade de resgatar, e subir mais um degrau evolutivo. Tenho certeza que tudo foi feito com muito amor e verdade, mesmo sem muitos beijos e abraços, até nos mais pequenos gestos e nos mais insignificantes, lá estava ela com sua presença marcante, dando amor, mas cobrando nossas atitudes, que muitas vezes não foram muito bem entendidas, mas que hoje sabemos eram sábias e oportunas, por isso nos tornamos gente de bem. Te agradeço querida mãezinha, por tudo o que fizeste por mim e por toda a familia, e sei que voce conseguiu cumprir com o que te propuseste com a espiritualidade, seja feliz agora que voce voltou a verdadeira vida e procura aprender mais, crescer junto com o pai, aí onde tudo é muito mais verdadeiro, e se preparem para um retorno melhor aqui neste mundo sofrido mas necessário a todos nós, com mais preparo para que voces atinjam a plenitude mais cedo. Amo voces..., tenho saudades mas estou feliz que voces já retornaram a verdadeira vida e sei que estão em paz.........

Anônimo disse...

Nooossa que saudades da vovó Lina e do vovô Elmo! Tenho certeza que eles estão em paz no plano espiritual, mas dá muita saudades.
Foram(são) pessoas incriveis e amadas por todos!

Sueli disse...

É difícil pra mim não vê-los na janela, me chamando. Das milhares de vezes em que subi aquela escada para cuidar, conversar, tomar chimarrão, ficou um sentimento de que vivemos intensamente a vida e, melhor, com muita responsabilidade. Nunca poderei dissociar a figura deles da minha formação e da minha vida. Quero acalentar com carinho o que ficou.