quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Este artigo foi publicado no jornal Diário da Manhã de sábado e domingo.

LIMITES

Francisco Carlos dos Santos Filho
Psicanalista
franciscocsantosf@hotmail.com

Semana passada Sueli Frosi – que além de leitora afetuosa e atenta é também uma
incansável batalhadora nas questões que envolvem pais e filhos em seu trabalho com a Escola
de Pais do Brasil – me escreveu sobre a coluna que foi publicada aqui e que tratava daqueles
pais que não funcionam como exemplo, mas como o limite de seus filhos. Além disso,
comentou que não suporta mais ouvir falar em “limites”, e que o colega psicanalista Contardo
Calligaris comenta em seu blog que os pais estão aí para empurrar os filhos adiante, frente às
tantas situações da vida em que poderiam querer “amarelar”.

Pois muito bem, Cara Sueli, eu também já não agüento mais ouvir lugares comuns
sobre esses tais “limites”: “As crianças precisam de limites”; “os jovens precisam de limites
para saber o que é certo e o que é errado”; “a função dos pais é dar limites“; “existem tantos
problemas na escola e na vida porque os pais não dão limites aos filhos”, e assim por diante.
Tudo bem, tudo certo, mas vamos cuidar com o lugar-comum que está embutido em todas
essas manifestações e que as transformam de enunciados corretos em frases vazias e sem
força nenhuma de ação, resultando numa falação sem vitalidade que se repete ao infinito,
enquanto tudo o mais permanece igual.

O artigo da semana passada deixou claro um tipo de “limite” muito indesejável, aquele
que existe quando os pais, ao invés de serem exemplos, se transformam no limite dos filhos.
Isso se dá pelo constante desejo e trabalho, ao longo da vida inteira dos filhos, para que sigam
os mesmos passos passem pelas mesmas coisas que seus pais, para que sejam do mesmo jeito
e façam aquilo que o pai ou a mãe anteriormente fizeram. Isso não se diz, isso está dado pelo
exemplo e o filho, vendo como são os pais, deseja ser assim também; o problema é quando a
vida dos pais passa de exemplo a teto, fechando o horizonte e impedindo o investimento
fundamental de empurrar à frente, como dizia o Contardo.

Um pai não pode dar limite a uma criança; uma pessoa não pode ensinar à outra
ensinar qual é o limite de si própria: um pai pode enunciar para o filho – e isso precisa estar
presente desde sempre, e sem uma intencionalidade prévia, simplesmente porque é assim que
se faz e assim que se vive – o seu próprio limite. O que quero dizer é que, quando enunciamos
ao outro onde está a fronteira, a linha que ele não pode cruzar, onde estão as suas bordas e
as nossas bordas, em que ponto e em que medida sua ação e suas vontades violam a minha
fronteira e invadem meu espaço, estamos anunciando ao outro qual é o nosso próprio limite.

Desenhar nitidamente a minha fronteira serve para ensinar a diferença entre o
Eu e o outro e outorgar-lhe a noção de alteridade, de que não é tudo e nem é único nesse
mundo, mas que eu também existo e que não sou uma parte sua. Esse processo fundamental
é estabelecido desde o primeiro dia de vida, ganhando formatos diferentes nos distintos
momentos e capacidades de compreensão da criança. O limite inicialmente não está
na criança, está no outro; na medida em que a noção de que o outro existe se inscreve
dentro dela, se estampa em sua alma, aí então é que a semente para o respeito, a ética, e
a consideração amorosa pelo outro está semeada. Se isso não aconteceu, não adianta “dar
limites”, porque é falar no vazio, plantar em terra infértil, ainda mais porque, se o pai e a mãe
não trouxeram dentro se si essa mesma semente, não fizerem o que acabei de referir e sua
fala ao dar “limites” ao filho será um discurso desabitado de um sujeito que sente aquilo que
diz.

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