quinta-feira, 7 de outubro de 2010

No Dia da Criança serei só avó.

Não sou mais mãe de crianças, mas de adultos. Não fosse o fato de terem-me dado uma neta, talvez esse dia fosse feito de lembranças dos meus verdes anos, quando tinha a casa cheia delas.

Há seis anos, tirando o primeiro em que Cecília era um bebê que eu apertava e esperava uma resposta tão calorosa quanto a minha, os últimos cinco são feitos de experiências tocantes. Vale dizer que minha vida enfeitou-se de risos, danças, colares, chapéus, corridas e dificuldades para sair do chão, dado a um leve endurecimento das juntas já meio enferrujadas.

Cecília sabe das dificuldades de uma avó acerca das limitações da idade, por isso busca assentos bem baixinhos para brincarmos: ela sabe que é normal ter as mãos diferentes das dela, pois comenta delicadamente sobre preguinhas, veinhas e o faz de forma comovente; ela sabe que dependo de beijos e abraços dela, por isso faz brincadeiras que me obrigam a correr atrás, agarrá-la e beijá-la como se fosse à força; ela sabe que dançar é um exercício que me cansa, por isso compreende quando quero parar e brincar de outra coisa; ela embarca nas minhas fantasias de fadas e duendes, assim como embarco nas dela, confinadas em uma barraquinha de pano, onde mal cabemos as duas: ela sabe que, após tantas histórias e fantasias, tenho que ser ajudada a sair da barraquinha o que ela faz com a cara mais satisfeita da mundo.

Estamos, eu e ela, na fase de contar histórias de terror, à meia luz, acampadas em florestas imaginárias, correndo riscos, fazendo de conta que estamos morrendo de medo e nos abraçamos e nos amparamos como se tudo fosse de verdade. Esta fase recém começou e estou dando tratos à bola para imaginar historinhas aterrorizantes adequadas para a idade dela. Isso toma tempo, gente! E cansa! E é lindo! E eu não vejo a hora de nos encontrarmos de novo. Aliás, ela pensa que tenho todo o tempo do mundo para ela, já que vovó se não fizer comida, alguém pode fazer no lugar dela, se tiver um compromisso, ela pode adiar para brincar. É uma delícia!

O Dia da Criança é feito disso! Não imagino um dia desses sem envolvimento, sem carinho, sem beijos e abraços. Talvez eu compre um presente pra ela, mas se não comprar, ela me tem inteira, assim como tem a outra vovó, tem o vovô, tem tios, primos professoras, colegas e tem os pais que a amam de forma incondicional, o que é fundamental para ela.

Gostaria que o mundo fosse feito assim, para que todas as crianças fossem tão felizes e tivessem coisas simples, que não custam dinheiro, mas que marcam profundamente. Sei que um mundo saudável teria que ser construído na sua base, com o envolvimento amoroso, com o calor do contato e a construção de vínculos sólidos uns com os outros.

Bem que eu gostaria de ver outra saída para o mundo, a não ser na construção e no exercício do amor, que deve ser demonstrado, assim como dito, assim como distribuído com generosidade.

Dia da Criança é dia de ser pai, de ser mãe, de ser avó, avô, de ser adulto que ama, não o futuro do mundo, mas o presente, único tempo que temos para nos dedicarmos de verdade aos nossos pimpolhos.


Publicado em O Nacional de 11/10/2010

3 comentários:

Carolina Zimmer disse...

Lindo texto! Comovente! A Cecília é uma menina de muita sorte em ter uma avó tão criativa e dedicada. Minhas melhores recordações da infância são das aventuras que vivi com minha avó e meus primos, no sítio em que ela morava. As pescarias, as balas puxa-puxa feitas na hora,as fogueiras noturnas regadas a histórias fantásticas forneceram elementos para a minha criatividade e para formar quem eu sou hoje. Pena que as avós não duram para sempre. Doce ilusão que a gente tem. A minha está contando histórias para outras crianças, espero, em algum lugar que por enquanto não tenho acesso. "Avó é mãe com açúcar", já disse algum poeta ou escritor. Beijos e bom Dia da Criança!!!

Unknown disse...

Mãe, a Ceci é uma menina de sorte por ter uma avó tão presente, inteligente e sensível como vc. Eu e meus irmãos também!!! Obrigada por ter nos dado uma infância tão feliz! Tenho mta saudade de todos vcs. Beijo

Sueli disse...

Fiquei emocionada, Flávia! Eu amo muito vocês todos e esse é o nascedouro de tudo. A Cecília eu amo com açúcar, melado, mel, algodão doce... tudo, tudo, tudo. Bjs e obrigada, minha filha!