terça-feira, 17 de novembro de 2009

Comunicador apoplético, furioso!

Recebi várias vezes o mesmo e-mail contendo a manifestação de Luis Carlos Prates, intitulado Pedagogia da Cinta. Pois bem, poucas vezes dou importância exagerada ao que recebo pela internet, mas, desta vez, fiquei extremamente preocupada.
Demorei para acreditar que um comunicador, um formador de opinião, fosse capaz de se referir a seus semelhantes com tamanha falta de respeito. Não consigo me calar quando vejo alguém chamar criança de pivete e ainda por cima, recomendar que se use a cinta para castigá-la. Ele começa seu desrespeitoso discurso, falando que um jogador de futebol que ouse dar uma bofetada no juiz, será punido exemplarmente, respondendo em juízo pelo que fez. Ao referir-se aos professores que, segundo ele, estão indefesos nas mãos de seus alunos pivetes, ele chega ao requinte de dizer: "... desde quando criança tem opinião?". Para ele as crianças devem ser castigadas com cinta pelos seus pais, para que aprendam a ficar calados e obedientes. Diz também, pasmem, que pivete agora é chamado de hiperativo e que pedófilo agora é considerado doente.
O sr. Prates ignora que vivemos uma outra era, na qual a ciência recomenda que se cuide da criança de forma respeitosa, para que consiga conduzir-se de forma pacífica e adequada. Não é do desconhecimento de ninguém, que a maioria das crianças não são sequer olhadas pelos adultos, nem pelos seus pais. Não ignoramos o abandono em que vivem, tendo pais indiferentes e ocupados com suas próprias vidas, enquanto os professores tentam compensar essa ausência, gerando uma sobrecarga difícil de carregar. O que temos são crianças que, ao invés de chamadas de pivetes, ao invés de castigadas com cintas, deveriam ser cuidadas amorosamente pelos adultos responsáveis por elas. Não conheço uma criança cuidada com amor e responsabilidade que tenha se tornado violenta. O contrário todos nós conhecemos. Aquele pedófilo a que o nervoso comunicador se refere, esse sim foi abusado e espancado quando criança, o que explica em parte seu comportamento predador.
Está doente alguém que ignora as tentativas mundiais de pacificação, que ignora o exemplo de Gandhi, que ignora que uma cultura de surras de cinta produz crianças amedrontadas, incapazes de se defenderem de pedófilos, por temerem a reação dos que os espancam; está doente quem usa de bancadas de comunicação de massas para insuflar a violência contra crianças, chamando-as por nomes que as desqualificam como cidadãos de direitos que realmente são.
Esperemos que, caso a jornada de trabalho seja reduzida no Brasil, os pais tenham tempo de dizer à sua criança: "hoje vamos à escola com você, conversar com sua professora que você ama tanto." Isso sim seria uma ação positiva, isso sim é pacificador.
Quanto à recomendação do uso da cinta, experimentemos usá-la em nosso cão, para ver se não seremos denunciados na mesma hora, com razão, aliás. Experimentemos usá-la no jogador de futebol a que o comunicador se refere, para ver se não seremos acusados de violência descabida.
Usar de cinta para bater em criança, pode? Que espécie de pessoas somos? Estamos retrocendo para um passado em que criança era propriedade dos adultos, o que permitia que fossem mortos, internados, maltratados pelo trabalho, ou avançando para tempos ainda mais sombrios?
Vale a pena pensar em amor, em cuidado, em proteção, em carinho. Dar beijos e abraços produz milagres. A cinta fica muito bem se afivelada na cintura dos pais.


Publicado em O Nacional de 1/12/2009


8 comentários:

Gabi Gehlen disse...

Nossa, Dinda! Não tem nem mais o que comentar. Em parte porque ele disse coisas tão absurdas, que me deixaram sem palavras. E em parte porque você já falou TUDO!
Assino em baixo!

Beijos =***

Sueli disse...

Temos que ser muitos contrapontos ao absurdo. Obrigada pelo comentário

Unknown disse...

A criança é o reflexo do que são os pais. Não que ela não tenha opinião própria, mas ela reflete ao mundo quando é bem ou mal cuidada. Pessoas como esse Luis Carlos Prates adoram gritar aos quatro ventos que as crianças são o futuro do mundo, dizendo que o futuro já está perdido por causa delas. Mal ele sabe que quem constrói o futuro é ele também. A "pedagogia da cinta" não é nem de longe o jeito mais certo de garantir um bom futuro ao mundo. A ciência já provou.

Sueli disse...

Meu caçula é o máximo mesmo! Obrigada, Bruno!

Anônimo disse...

Nossa tia, que absurdo que esse Patres falou. Isso revolta! Esse trecho que você falou ("Não conheço uma criança cuidada com amor e responsabilidade que tenha se tornado violenta") me alivia muito, pois se já é dificil de criar bem um filho, ainda mais nesse mundo em que vivemos, pior a cada dia, com pessoas cada vez mais pobres de espírito. Ai vem um idiota desse só para reafirmar o que equivocados e desinformados pais pensam ser melhor para educação de seus filhos.

Sueli disse...

É isso mesmo, Xanda! Acredito que podemos dar bons exemplos, mostrando ao mundo que o tapa pode ser abandonado e substituído por métodos criativos e inteligentes. Beijos

Gabriel P. Knoll disse...

Srta. Sueli,

não sei como é por estas bandas do estado da fronteira com o Uruguai, mas aqui escuta-se este antiquado todos os dias no horário que se torna indigesto, o nosso J.A.

Ele é o que mais traz idéias parvas, estúpidas e moralistas que qualquer um pode escutar na hora do almoço.

Pra mim, o que vem da boca dele, quase tudo é transformado em estrume. Tenho pena de quem aplaude este "Cintudo".

E... belo texto contra o Prates... apesar de haverem divergências entre eu e você.

Besos.

Sueli disse...

Que bom que divergimos, gosto disso! Obrigada, Gabriel