sábado, 9 de agosto de 2008

Novos tempos, novo pai



Vivemos tempos em que é imperativo aprender a desaprender, para aprender de novo. Segundo Clarice Lispector não devemos entender, por que entender é limitado. Ela diz mais. Diz que o bom é ser inteligente e não entender. De tudo isso, pode-se dizer que o novo pai é aquele que está desaprendendo a paternidade antiga, aprendendo uma nova, sem entender tudo.
O pai de vinte anos para cá não age mais ancorado na obrigação de prover o sustento, mas em outro tipo de relação com seus filhos, bem mais complexo e bonito. Os homens estão reinventando um papel que não costumava ser questionado. O pai contemporâneo reinventa comportamentos, mesmo que não entenda tudo. Ele não precisa entender por que ele quer uma aproximação física com seus filhos, mesmo que ele mesmo não tenha tido uma aproximação com o pai. O fato de não entender abre ainda mais as possibilidades de uma relação nova e inédita.
Para Clarice não entender é a possibilidade de não ter fronteiras, o que pode significar que é possível viver o amor ilimitado, a paternidade cheia de promessas por estar apoiada em novas bases. As novas bases são as que devem fundamentar um comportamento capaz de cumprir o amor que todos nós procuramos e necessitamos. Saber-se capaz de amar não é suficiente, tem-se que ser capaz de dizer e de mostrar isso e isso pressupõe um novo pai, aquele dos novos tempos. Tem-se que esquecer aquele homem distante, sentado na sala, ou aquele sentado atrás do fogão à lenha sorvendo silenciosamente seu chimarrão. Nunca se soube se aquele pai não queria ou não conseguia uma aproximação mais íntima, embora na condição de filhos, sentíssemos a necessidade de um carinho explícito, de um elogio, de um sorriso rasgado.
Esse pai que está emergindo, mesmo cheio de dúvidas, sabe-se um novo homem, um novo marido, um novo cidadão. Pesam sobre ele expectativas novas para as quais ainda não encontra correspondências. Convive com uma nova mulher, uma nova mãe, tão perplexa e cheia de dúvidas quanto ele, em famílias com configurações novas e desconhecidas. As dúvidas de que nos fala Clarice têm a ver com todas essas novidades, esses às vezes, paradoxos da vida.
O que dá pra vislumbrar é que ainda teremos muito o que pensar, o que errar, o que aprender e desaprender, mas já sabemos algumas coisas. O novo pai já sabe que, se sentiu lá no passado que lhe faltou amor, quando não, demonstração de amor, então tem que suprir seus filhos dessa demonstração tão necessária nestes tempos bicudos e violentos. O novo pai sabe que ele pode salvar seus filhos das agruras da solidão da era da comunicação, onde é possível falar com todos sem olhar pra ninguém dentro dos olhos; sabe que seus filhos esperam dele um comportamento que os salve do imponderável, do efêmero, do superficial, para colocá-los em contato com a vida de verdade, aquela onde a gente tem que viver e ser feliz e onde o amor é o lenitivo das feridas inerentes ao ato de viver.
Devemos comemorar esse novo pai que duvida, que pondera, que pergunta, que aprende tudo de novo, pois neste processo contínuo, está aprendendo a ser mais feliz, por conversar com sua criança ainda dentro da barrida da mãe, por balbuciar junto com ela quando bebê, por ajudar nos estudos e nas brincadeiras quando estudante e por observar sua adolescência, estimulando e servindo de apoio quando necessário. Este pai está tendo muito trabalho, mas está dado chance a si mesmo de cumprir todas as etapas de uma nova paternidade, que está se mostrando bem mais gratificante para todo mundo.


Texto publicado no Diário da Manha de 6/08/2008

2 comentários:

Anônimo disse...

Sabia que tinha sido publicado tia! Mto lindo mesmo esse texto. Vou até mostrar pra André! :D Que bom que houve/está havendo essa mudança da paternidade. E os filhos agradecem...

Adriana Gehlen disse...

é.
hoje quando ele me ligou senti uma distancia. uma certa tristeza dele por não nos ter perto nesse dia. mas sabe como é,
e eu sinto que ele começa a chorar e parte pra hora do tchau. dá uma agonia e dói, mas vai fazer o quê?!

pelo menos sabe-se nessas horas o quanto que um gosta do outro.
:)